O que esta semana se escreveu e disse sobre o Orçamento do Estado (OE), analisado por especialistas ou explicado pela Ministra das Finanças e pelo Primeiro-ministro, trouxe-me à memória o que um amigo, normalmente navegando na área do PSD, me costuma enunciar como um dos mais graves problemas do “Ocidente”: diz ele, “o Ocidente viciou-se em viver na mentira”. E explica: não é capaz de respeitar novas realidades do Mundo, nomeadamente geostratégicas; mente ao afirmar a possibilidade de universalização do estilo de vida que propagandeia como modelo; intervém unilateralmente e na base de pressupostos feitos de mentira e agredindo brutalmente milhões de pessoas. Também o governo PSD/CDS se foi apurando como viciado compulsivo da dissimulação, da manipulação e da mentira.
O OE para 2015 é, sem dúvida, o Orçamento da continuidade de estéreis políticas de austeridade e da confirmação de que este governo impôs e continuará a aprofundar seis perigosas transformações na realidade socioeconómica do país:
i) Uma grande fatia de rendimentos que pertencia ao fator trabalho passou para o capital, acompanhada de reforço do poder patronal. Desde 2012 que, em cada ano, mais de 3 mil milhões de euros são sacados aos trabalhadores a favor – por via direta e indireta – dos detentores do capital. Em 2015 assim continuará.
ii) O comum dos cidadãos e, em particular os trabalhadores e os reformados, sofreram o maior agravamento fiscal de que há memória e a injustiça na distribuição da carga fiscal aprofundou-se. Por muitos floreados que o governo faça, o facto é que o OE 2015, no global, agrava essa carga (só o IRC baixa) e não se vislumbram reformas de sentido contrário.
iii) Nenhum governo até hoje destruiu tanto emprego e qualidade de emprego (público e privado) como o actual. O que se passa com a requalificação e a reconversão profissionais, com a saúde e a segurança no trabalho mostram o enorme desinvestimento adotado em grande parte das empresas, fator que irá tolher o nosso processo de desenvolvimento. O OE de 2015 não traz nada para inverter esse caminho.
iv) As desigualdades aprofundaram-se muito e está a consolidar-se um perigoso recuo que nos transporta do patamar da cidadania social para o do assistencialismo caritativo, debaixo dos imperativos imediatos de combate à pobreza e à exclusão social. O governo vangloria-se de ter aumentado exponencialmente o número de cantinas sociais! O OE para o próximo ano vai aumentar a pobreza, pois projeta mais desemprego – a primeira causa da pobreza – e alimenta a suspeição sobre as pessoas e famílias que beneficiam de subsídios e proteções sociais mesmo que de baixíssimos valores.
v) Este governo inculca nos portugueses a ideia de que é tarefa nacional o corte na despesa, ao mesmo tempo que restringe os campos desse corte. Ao continuar a cumprir a despesa com a dívida, com parcerias e negócios público/privados mais que duvidosos, a gastar milhares de milhões para cobrir buracos da banca e de outras empresas, o que fica para ser cortado são os direitos dos portugueses no ensino, na saúde, nas infraestruturas, na segurança social, na justiça. Ora, para as pessoas, o que é gasto nestas áreas significa rendimento e não despesa.
vi) O governo PSD/CDS é o grande campeão do aumento da dívida e tudo faz para submeter o povo e o país a um cumprimento impossível.
A União Europeia impõe-nos graves condicionalismos, mas o OE2015 não tinha de ser seguidista. O governo esconde as manipulações que inflacionam as receitas, sobrevaloriza uma ou outra medida que favorece pontualmente alguns portugueses, mas não mostra nenhum dos imensos impactos negativos que vamos ter em múltiplas áreas. Faz promessas que sabe à partida não poder cumprir. Aponta um objetivo de crescimento económico impossível face à frágil situação europeia, à queda da atividade económica do país, às perturbações ou morte de muitas empresas, afetadas pelos descalabros do sistema financeiro e de grandes grupos económicos a ele associados, como é o caso da PT e outros.
Coloquemos estas agressões a nu. Elas afetam-nos como cidadãos e matam a democracia.