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21-08-2014        Visão

Podem simples cidadãos de todo o mundo organizar-se para propor em todas as instâncias de jurisdição universal possíveis uma ação popular contra o Estado de Israel no sentido de ser declarada a sua extinção, enquanto Estado judaico, não apenas por ao longo da sua existência ter cometido reiteradamente crimes contra a humanidade, mas sobretudo por a sua própria constituição, enquanto Estado judaico, constituir um crime contra a humanidade? Podem. E como este tipo de crime não prescreve, estão a tempo de o fazer. Eis os argumentos jurídicos e políticos e as soluções para restituir aos judeus e palestinianos e ao mundo em geral a dignidade que lhes foi roubada por um dos atos mais violentos do colonialismo europeu no século XX, secundado pelo imperialismo norte-americano desde o fim da segunda guerra mundial.

O termo “sionismo” designa o movimento que apoia o “regresso” dos judeus à sua suposta pátria de que também supostamente foram expulsos no século V AC. Há, no entanto, que distinguir entre sionismo judaico e sionismo cristão. O sionismo judaico tem origem no antissemitismo que desgraçadamente sempre perseguiu os judeus na Europa, e que viria a culminar no Holocausto nazi. O sonho de Theodor Herzl, judeu austríaco, era a criação, não de um Estado judaico, mas de uma pátria segura para os judeus. O sionismo cristão, por sua vez, é antissemita, e a ideia de um Estado judaico deveu-se a políticos britânicos, sionistas e anglicanos devotos, como Lord Shaftesbury, que, acima de tudo, desejavam ver o seu país livre dos judeus-enquanto-judeus. Eram tolerados os judeus cristianizados (como Benjamin Disraeli, que chegou a ser Primeiro Ministro), mas só esses. Na verdade, foi um sionista não judeu (Arthur James Balfour) quem propôs a criação de “uma pátria para os judeus” na Palestina, sem consultar os povos árabes que habitavam esse território há mais de mil anos. “Os Grandes Poderes” (Áustria, Rússia, França, Inglaterra), lê-se no Memorandum Balfour de 11 de Agosto de 1919, “estão comprometidos com o Sionismo. E o Sionismo, correcto ou incorrecto, bom ou mau, tem as suas raízes em antiquíssimas tradições, em necessidades actuais e em esperanças futuras, que são bem mais importantes do que os desejos de 700.000 árabes que neste momento habitam aquele antigo território”. Urgia, pois, transformar esses árabes em um não-povo. Em 1948, foi criado o Estado de Israel numa Palestina povoada de árabes e 10% de judeus imigrantes. Argumentava-se que havia de se encontrar um espaço para o povo judeu, que ninguém queria receber depois do genocídio alemão. Muito antes dessa catástrofe, os sionistas tinham já pensado em vários locais para o seu futuro estado. No final do século XIX, uma região do Uganda no Quénia, então colónia inglesa, foi ponderada como um possível local para o futuro Estado de Israel. Um espaço na Argentina chegou também a ser considerado. Mais tarde, auscultado sobre um local no norte de África (no que é hoje a Líbia), o rei da Itália, Victor Emmanuel, terá recusado, respondendo: “Ma è ancora casa di altri”. Mas nenhum europeu, por mais preocupado com a situação dos judeus, jamais pensou num lugar dentro da própria Europa. Havia que inventar-se “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Mesmo que fosse necessário obliterar um povo. Foi assim que foi pensada a Palestina, invocadas razões bíblicas e históricas, que a Bíblia não sanciona e a história viria a desmistificar. E assim se vem paulatinamente eliminando um povo da face da terra desde há sessenta e seis anos. O que é espantoso, comenta o historiador judeu israelita, Ilan Pappé em The Ethnic Cleansing of Palestine (2006), é ver como os judeus, há tão pouco tempo expulsos das suas casas, espoliados dos seus pertences e por fim exterminados, procederam sem pestanejar à destruição de aldeias palestinianas, com expulsão dos seus habitantes e massacre daqueles que se recusaram a sair.

A criação do Estado judaico de Israel configura um crime continuado cujos abismos mais desumanos se revelam nos dias de hoje. Declarada a sua extinção, propõe-se a criação de um Estado secular, plurinacional e intercultural onde judeus e palestinianos possam viver pacifica e dignamente. A dignidade do mundo está hoje hipotecada à dignidade da convivência entre palestinianos e judeus.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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