Ao sociólogo não compete justificar nem condenar fenómenos que “perturbem” a ordem estabelecida, mas sim tentar interpretar os sinais ou problemas emergentes na vida social, associados a novas linhas de mudança socioeconómica ou sociocultural, como é o caso destes “meets” que agora começaram a surgir em Portugal. Há várias linhas explicativas que, a meu ver, contribuem para compreendermos este tipo de acontecimentos, o que pressupõe evitar o juízo moral quanto às intenções dos seus eventuais promotores.
A primeira remete para o quadro de uma sociedade que caminhou rapidamente para a concentração urbana, construiu e ampliou grandes metrópoles que, por sua vez, criaram periferias degradadas para onde os segmentos mais carenciados da sociedade (sobretudo minorias étnicas e imigrantes) são empurrados em função da permanente revalorização do território e na ausência de um planeamento e políticas de inclusão mais eficazes. As novas comunidades em estruturação nas periferias sofrem as consequências dessa marginalização, em geral acompanhada de preconceitos por parte da sociedade “respeitável”, ao mesmo tempo que se sentem excluídos do usufruto de infraestruturas e do acesso a padrões de vida com a marca da “classe média”, num contexto de massificação dos consumos e de crescente individualização das relações sociais.
O consumismo e a generalização dos novos equipamentos eletrónicos, em especial junto da juventude, atribuíram às redes sociais do “ciberespaço” um papel cada vez mais central na reorganização das relações dos jovens entre si, dando sentido ao conceito de comunidade virtual. Uma “comunidade” que, de algum modo vem compensar a tendência ao “deslaçamento” da sociedade. Mas como ela não consegue preencher totalmente esse vazio, tende a tornar-se num meio de reinvenção da comunidade ao transferir-se da esfera privada para a ocupação das ruas, praças e outros espaços públicos como festivais de música, concertos ou centros comerciais. É a comunidade virtual tornada real.
Este fenómeno parece inserir-se na mesma linha dos “rolezinhos” que começaram a surgir no ano passado na cidade de São Paulo, onde centenas de jovens dos bairros periféricos desta imensa metrópole (e de outras cidades brasileiras) se organizam para “passeios” coletivos nos Shoppings mais modernos e luxuosos das capitais. No caso do Brasil, um país onde as desigualdades de classe são especialmente chocantes e onde vigora de facto um “racismo de classe” (isto é, o preconceito não se dirige apenas aos negros e mestiços, mas aos pobres de um modo geral), essas ações simbolizam muito claramente uma resposta dos segmentos excluídos que, invocando o princípio democrático do direito ao uso livre do “espaço público”, exibem a sua condição social como arma de arremesso atirada contra a classe média instalada, com isso tentando denunciar a hipocrisia dos valores “burgueses” e a injustiça de uma riqueza ostentadora perante a miséria dos pobres.
Dir-se-á que estes “encontros” – independentemente do seu grau de espontaneidade ou organização – exprimem uma espécie de cultura hip hop das periferias, onde transparece uma mistura de “performance” com “micro-rebelião”, e que responde à busca de uma identidade coletiva ameaçada, cuja necessidade de transgressão é ao mesmo tempo uma forma de luta geracional e de classe (no plano identitário). É a reação de quem vive sob o constante assédio da sociedade mediática e do espetáculo, ao mesmo tempo que se sente repelido, no quotidiano cinzento do anonimato do bairro. A ausência de meios para satisfazer os massivos apelos da moda consumista estimula a vontade de provocar a classe média ou, pelo menos, os espaços onde – na realidade ou no imaginário destes grupos – floresce a sociedade do consumo, o simulacro e do exibicionismo narcisista a que muitos destes jovens aspiram usufruir.