Para mim, Robin Williams foi John Keating. Também foi Patch Adams, Parry, Adrian Cronauer ou Peter Pan. Mas, mais que tudo, foi como Keating, professor de Literatura da Academia de Welton, mentor da criação do Clube dos Poetas Mortos pelos seus alunos, que Williams entrou na minha vida e não mais saiu. Devo a minha paixão de ser professor a uma pequena meia dúzia de testemunhos de vidas totalmente determinadas pela vocação de formar para um conhecimento que não se cansa de interrogar o mundo. E devo a Robin Williams que Keating faça parte dessa meia dúzia. Era um personagem de ficção? Ficção é crer que professores condenados a ser burocratas podem algum dia ser fonte de paixão pelo conhecimento.
Um professor de Literatura que manda os alunos, na sua primeira aula, rasgar a página do manual oficial em que se define tecnicamente o que é a poesia, que faz do desafio de Horácio – carpe diem – uma lição de vida dos clássicos à adolescência de todos os tempos, que mostra aos seus estudantes, adolescentes talhados para uma existência funcional e acrítica, a morte profunda que há nela, que trivializa os cânones e sacraliza o pulsar dos dias, um professor assim é um provocador. Um professor que põe a aquisição da consciência de si de cada um dos seus alunos acima do cumprimento escrupuloso do programa será inapelavelmente punido por um sistema que é suposto produzir engenheiros, gestores ou médicos muito competentes mas não homens e mulheres críticos, sensíveis e com convicções.
Aprendi com John Keating que o primado da inquietação pessoal é o tesouro de cada jovem que a cada professor é confiado administrar. E com a sua inevitável expulsão da escola aprendi que a inquietação não é coisa boa para os sistemas educativos normalizadores que são os nossos. Aprendi com John Keating que as Humanidades são fonte de um conhecimento que interpela a vida toda a partir de um saber sábio e que nenhuma tecnocracia, por mais sofisticada tecnologicamente e por mais top-of-the-ranking que consiga ser, tem condições de assumir a educação como formação de cada um para o seu diálogo pessoal com os anseios profundos da sua condição humana. Aprendi com Keating que a transmissão de conhecimentos está longe de ser a mais decisiva das missões de quem educa e que os valores – e, por isso, o relacionamento, a insatisfação e a abertura – são pilares da vida a que toda a tarefa educativa tem que dar prioridade. Tudo isto aprendi com Keating. E toda esta aprendizagem devo, por isso, a Robin Williams.
Preocupam-me os erros ortográficos dos professores na prova de avaliação a que foram sujeitos. Preocupam-me muito mais os erros que sucessivos ministérios têm cometido na formação para a fidelidade à vocação para ser professor. E preocupa-me que o ministério nunca tenha sido sujeito a uma avaliação sobre o que faz e o que não faz para identificar expressões e estimular percursos de reforço dessa vocação.
Se John Keating fosse avaliado por um zeloso comité examinador da 5 de outubro, certamente seria excluído do sistema por não cumprir os mínimos indicadores de responsabilidade docente. Os seus alunos não estariam, por certo, preparados para os exames que o ministério faz equivaler a rigor e seriedade do sistema. E as famílias, preocupadas com o êxito social dos seus rebentos, logo se encarregariam de processar o irresponsável professor. Anima-me a certeza de que só esses alunos impreparados se poriam de pé, em cima das carteiras, e saudariam o seu professor incumpridor com um “oh captain, my captain!” feito de cultura e insubmissão. É essa certeza que dá razão à minha paixão por ser professor.