Ao empobrecimento, à desigualdade e ao desalento, junta-se o envelhecimento como traço do país que somos neste momento. O envelhecimento acentuado da população portuguesa é o resultado da confluência de duas transformações de grande alcance registadas nos tempos mais recentes. A primeira foi a passagem de um crescimento natural positivo – mais nascimentos que óbitos – para um crescimento natural negativo. O decréscimo significativo do número de nascimentos (pouco acima dos oitenta mil em 2013) levou a uma diferença da ordem dos quase dezoito mil óbitos a mais do que os nascimentos verificados. A segunda grande transformação foi a passagem de um saldo migratório positivo para um saldo migratório negativo, em virtude quer do regresso em larga escala de imigrantes aos seus países de origem ou à sua deslocação para países terceiros, quer à vaga de emigração, sobretudo de jovens, em níveis semelhantes aos dos anos sessenta. O resultado é o da transformação de Portugal de um dos países mais jovens da Europa em 1970 num dos países mais envelhecidos do mundo no presente. E esta mudança suscita perguntas decisivas: como se vai sustentar o sistema de pensões e reformas? Com quem contamos para a retoma de uma produção que nos faça sair da crise económica? Quem cuidará dos velhos que somos cada vez mais?
Há na abordagem deste problema dois riscos. O primeiro é o de ele servir para abrir a porta ao conservadorismo contra os direitos das mulheres. O discurso que, a este propósito, assume como alvos o planeamento familiar ou a interrupção voluntária da gravidez em vez de colocar no centro a diferença entre o número de filhos desejados e o número de filhos de facto permitidos pelas condições de trabalho, pelos níveis salariais ou pelo patamar de expectativas de futuro não só não resolve nenhum problema como se vinga de conquistas sociais e culturais que nunca aceitou. Ou seja, acrescenta indignidade à inépcia para responder ao desafio demográfico.
O segundo risco é o de fazer das políticas de natalidade um adorno gentil para um fundo de agressão social que se mantém incólume. Bem pode o Governo criar umas exceçõezinhas no IRS e uns beneficiozinhos fiscais em IRC, bem pode o Governo organizar mais uns estagiozinhos para licenciados, bem pode o Governo alargar a licença de parentalidade e bem pode o Governo dizer ao povo que é tudo para aumentar a patriótica tarefa de procriar. O risco é que as medidas pontuais convivam com uma política de fundo que é a maior inimiga da família. E o problema é que o povo sabe e não esquece que o mesmo Governo faz da destruição de emprego e da precariedade as ferramentas para embaratecer o trabalho e o tornar num luxo para poucos, para mais mal pagos e com poucos direitos. O povo sabe e não esquece que o mesmo Governo nos olha como vivendo acima das nossas possibilidades, nas nossas zonas de conforto e à pala disso encurta os serviços à qualidade e à estabilidade das nossas vidas. O povo sabe e não esquece que o Governo e as suas políticas são os mais eficazes dos contracetivos.
Quer o Governo fomentar a natalidade em Portugal? Pois bem assuma a estabilidade dos vínculos laborais como imprescindível, imponha os direitos de todos à saúde, à educação e ao trabalho, proteja o país contra os credores permitindo que a economia cresça, faça do futuro com todos e não do presente para alguns o seu foco. Algo que um Governo obediente aos cânones financeiros da união europeia jamais poderá fazer. E isso diz-nos muito das condições políticas de partida para que uma política de apoio à natalidade possa ser real em Portugal.