Centro de Estudos Sociais
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24-07-2014        Visão

Junho e Julho foram meses de celebração da ciência e da cidadania globais na Universidade de Coimbra. Entre muitas iniciativas, menciono as que acompanhei de perto porque foram organizadas pelo centro de investigação de que sou diretor, o Centro de Estudos Sociais. Mas podia mencionar muitas mais em outras universidades, todas elas reveladoras da pujança da comunidade científica portuguesa, do respeito mundial que granjeou e das responsabilidades e expectativas globais que criou nos últimos vinte anos. Esteve entre nós, para uma semana intensa de trabalho, a maior delegação de líderes de povos indígenas brasileiros que nos últimos 514 anos visitou Portugal! Vieram discutir connosco o modo como o modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ecologicamente insustentável em curso no Brasil está a expulsá-los das suas terras, a destruir as suas florestas e a contaminar as águas dos seus rios. Poderosos grupos capitalistas nacionais e globais alargam sem limite a fronteira agrícola, iniciam projetos de mineração e planeiam barragens sem consultar as populações e sem estudos credíveis de impacto ambiental. Em toda a Amazónia estão registadas 52974 zonas de interesse minerário. A pulverização aérea dos campos com produtos agrotóxicos faz com que em zonas rurais do Nordeste haja taxas de cancro superiores às das grandes cidades. Escolheram o nosso centro porque conhecem o trabalho que temos realizado para chamar a atenção internacional para esta calamidade, como sabem da intervenção que tivemos no reconhecimento dos seus territórios ancestrais, nomeadamente no caso da reserva Raposa Serra do Sol. Sábios leitores da complexidade do mundo, os líderes indígenas não tiveram problemas em visitar a universidade donde saíram os missionários e administradores que primeiro os transformaram em "obstáculos ao desenvolvimento", para buscar aqui o reforço das alianças contra o colonialismo que perdura e em favor da luta por alternativas que, defendendo os povos indígenas, protegem a humanidade no seu conjunto de uma catástrofe ecológica.

Logo depois "ocupou" a Curia um grupo vibrante de 49 jovens de 16 países que vieram frequentar o nosso curso de verão, atraídos pelo tema aliciante de aprendermos a entender, respeitar e celebrar a diversidade social, cultural e política do mundo, orientados por professores da África do Sul, Argentina, Brasil, Colômbia, EUA, Itália, Índia, Moçambique, Portugal e Zimbabué. O importante foi que, tanto estudantes quanto professores, se sentiram atraídos pelas propostas inovadoras de interculturalidade e de diálogos entre saberes que temos vindo a propor. Muitos deles continuaram connosco nos dias seguintes, em que 685 congressistas vindos de 30 países se reuniram em Coimbra para dar visibilidade às boas práticas e às inovações sociais, políticas e económicas que por esse mundo fora procuram diminuir a injustiça social, aumentar a coesão social, eliminar a discriminação étnico-racial e sexual, fortalecer a democracia e o Estado social, promover a dignidade humana, incluir entre os direitos humanos os direitos da natureza, lutar pela paz e pela autodeterminação, criar sistemas económicos solidários, pautados pela cooperação, pela reciprocidade e pelo respeito pela natureza. Ou seja, práticas reais, concretas, nos antípodas do que hoje vigora, como pensamento único, numa Europa decadente, em perigosa espiral descendente, sem outras soluções que não sejam as ditadas pelos que causam os problemas que a afligem e deles se beneficiam. A pergunta que dominou este colóquio foi a de saber se a Europa tem condições de aprender com esta excitante experiência do mundo depois de durante tantos séculos ter sido a autodesignada professora do mundo. A réstia de esperança veio da alegria dos encontros, tanto entre pessoas como entre ideias, entre ciências plurais e a música do António Pinho Vargas, a pintura do Mário Vitória e o rap da Capicua, Chullage, Hezbó MC e LBC Soldjah.

Escrevi esta crónica para dar uma mensagem de esperança aos jovens cientistas sociais que têm vindo a viver o pesadelo de não poderem prosseguir o seu trabalho ao serviço da ciência cidadã em que continuam a acreditar.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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