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18-07-2014        Diário de Notícias

Um posicionamento político responsável na sociedade portuguesa de hoje exige uma resposta clara a duas perguntas. A primeira é: por onde passa a linha divisória essencial da sociedade portuguesa neste momento? E a segunda é: quais são os melhores instrumentos para, com eficácia, mudar a relação de forças entre o campo adversário e o nosso campo? A primeira pergunta tem uma formulação simples – de que lado estamos? – mas a realidade de que ela trata é muito mais complexa porque o traçado da fronteira entre os “lados” é tudo menos inequívoco. A segunda pergunta tem sido respondida de duas maneiras simples – o governo e o protesto – mas esse binómio é pobre porque esconde a questão essencial dos conteúdos políticos de um e de outro.

Três anos de massacre social e económico impõem que a linha de divisão das águas na política portuguesa seja repensada. Mantê-la na diferença de princípio entre uma esquerda e uma direita definidas a partir de abstrações é um procedimento que faz correr o risco de equívocos paralisantes. Basta, aliás, lembrar que chegámos onde chegámos antes mesmo destes três anos. Antes deles houve mais de trinta anos de governos que, sendo de alternância ao centro, foram de convergência no serviço aos grupos económicos (por alguma razão é consensual a classificação do Grupo Espírito Santo como pilar “do regime”), que com eles fizeram todos os negócios – negócios de centro-direita e negócios de centro-esquerda, claro está… – desde as parcerias público-privado na saúde e nas estradas até às privatizações, passando pela abundante legislação fiscal à medida. Foram trinta e tal anos de consenso alternante sobre a política europeia, nas suas vertentes de liberalização dos mercados, de perda de controlo democrático das variáveis macroeconómicas, de diminuição da espessura da democracia e do espaço da cidadania e de inclusão obediente na ordem militar chefiada pela NATO.

A omnipresença do bloco central na tessitura de tudo isto torna ilusória uma linha de divisão da política portuguesa entre o PS e o PSD. Colocá-la aí para depois assumir um lado é algo que passa ao lado desta constante pesada da democracia portuguesa. A divisão é, creio, outra e ela põe de um lado as forças que, no mínimo, são complacentes com este regime de governação indireta por quem se alimenta de rendas chorudas e, do outro, quem quer dar voz democrática aos que vêm sempre depois da garantia dos negócios de quem manda e que pagam sempre sem nunca terem dividendos.

Os últimos três anos tornaram ainda mais óbvia a falta de alternativas na alternância ao centro. O memorando da troika e o tratado orçamental são as marcas de água desse consenso de regime apontado a uma governação para as próximas décadas. Eles são a constituição material do bloco central.

E esta constatação ilumina a resposta à segunda pergunta essencial: evita-se o bloco central partilhando o governo com o PS? A minha resposta é: pode até evitar-se o bloco central mas não se evitará o centrismo. A convicção de que se puxará a política do PS para o campo da alternativa exprimindo disponibilidade para integrar com ele o campo da alternância tem um longo historial de fracassos em Portugal. Todos os que se dispuseram a isso, com convicção sincera, acabaram a legitimar um PS de alternância sem nunca ser de alternativa. Agora, dadas as circunstâncias de amarração assumida ao tratado orçamental, não creio que possa ser diferente, muito pelo contrário. O povo socialista sabe-o bem e pensar uma alternativa sem ele é o equívoco simétrico.

A construção de uma alternativa supõe, em minha opinião, uma lúcida noção da força que tem o campo que quer a perpetuação da simples alternância, não fingindo que ele é mais fraco e vulnerável do que na verdade é. E a grandeza de juntar todos os que, sem transigências, se opõem, em nome de uma democracia de alternativas, à perpetuação da alternância.


 
 
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José Manuel Pureza



 
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