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27-06-2014        Visão

Tem sido demasiado fácil ser político de esquerda no nosso país, mas os tempos estão a mudar. A esquerda portuguesa dá sinais de que finalmente tem de dar contas a um país sofrido que incessantemente vota maioritariamente à esquerda para depois se ver governado pela direita. Será difícil depois de anos de imobilismo e de falta de treino político, tão habituados ficaram os nossos políticos, tanto à esquerda como à direita, a ser governados por Bruxelas. Mas as dificuldades derivam também da própria natureza dos partidos. Há cem anos um sociólogo muito conservador mas muito lúcido, Robert Michels, definiu os partidos como organizações que se destinam a defender os políticos das pressões do seu eleitorado de modo a que possam servir-se da política para realizar os seus interesses particulares. Chamou a isso a "lei de ferro" dos partidos, a tendência inelutável a transformarem-se em estruturas oligárquicas dominadas por aparelhos que apenas cuidam da sua reprodução.

O PS vive um processo crucial de confirmação ou não do princípio da lei de ferro. Os portugueses, sobretudo os que simpatizam com o PS, aguardam ansiosamente pelo desfecho. Ansiosamente, por duas razões. Por um lado, o PS é um partido fulcral da democracia pós-25 de Abril e, por isso, o que se passar nele tem consequências importantes para o país. Por outro lado, temem que a lei de ferro se confirme. Temem que o aparelho não veja o que todos os portugueses veem: Seguro perdeu a confiança dos portugueses antes de a ganhar. Justa ou injusta, esta é a decisão dos portugueses. E como em política a reabilitação dos líderes passa obrigatoriamente pela travessia do deserto, um luxo que o PS não se pode hoje permitir, Seguro deve ser prontamente substituído se o PS quer voltar a governar o país. Estará o PS à altura do momento? Pelos sinais que vamos tendo, se Seguro for substituído, não o será prontamente, o que, sendo um mal menor, pode ser devastador para o futuro da esquerda portuguesa. A primeira fase do processo de luta interna foi dominada pelo aparelho, como seria de esperar. Seguro tem a seu favor, não só a lei de ferro, como interesses internacionais e seus think tanks apostados na continuação das políticas neoliberais. Os mesmos interesses que apoiaram a criação da UGT com o propósito de dividir o movimento sindical, não sendo de surpreender que, num momento dramático de destruição da contratação coletiva, a UGT revele a sua verdadeira face. Não me admiraria se António Costa tivesse de redigir uma carta de intenções para não ser neutralizado antes que seja tarde.

O Bloco de Esquerda também dá sinais de renovação no único sentido possível: retomar na prática a sua ideia fundadora de contribuir para a unidade das esquerdas. Até agora nada fez nesse sentido e o que fez acabou por ir em sentido contrário. Doutra maneira não se entende como votou a queda do governo PS ou deixou que surgisse o "caso" Rui Tavares. Um político talentoso induzido, contrariamente ao que sempre defendeu, a contribuir objectivamente para dividir ainda mais a esquerda, como sucedeu nas últimas eleições. Também aqui os sinais são mistos. A lei de ferro não tem preferência pelos partidos grandes e até pode reforçar-se num partido pequeno à beira do colapso. O BE tem as duas líderes políticas mais brilhantes da sua geração, a Ana Drago e a Marisa Matias. Esta última impediu quase sozinha que o desaire eleitoral recente não fosse ainda mais devastador. Se elas se unirem e tiverem êxito interno, o partido pode voltar a ser o bloco da esperança, como queria o saudoso Miguel Portas.

E o PCP? O PCP tem o estatuto de monumento nacional, a réplica portuguesa do património mundial do comunismo. Digo isto sem qualquer ironia porque considero preferível ser-se monumento do que ser-se ruína, como acontece com o PS atual em relação ao socialismo europeu. O PCP tem influenciado com excessivo sectarismo a corrente dominante da CGTP, mas tem sido a voz mais audível contra a austeridade, tem estado na origem de governos autárquicos que honram a democracia e contribui decisivamente para impedir que a extrema direita tenha voz entre nós. Que mais se pode exigir de um monumento?


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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