Para a reflexão estratégica que o País tem de fazer já sobre os seus próximos dez anos, o Tratado Orçamental é o divisor de águas. Há dois projetos para a próxima década de Portugal, um que assume o Tratado Orçamental como base irrecusável de todas as demais escolhas e outro que faz da recusa do Tratado Orçamental a primeira das escolhas da qual decorrem todas as outras.
O Tratado Orçamental não é uma entidade distante, a que só uma casta de economistas e intérpretes encartados de juridiquês consegue aceder. Não, o Tratado Orçamental é a constitucionalização da austeridade, ou seja a sua eternização como matriz das políticas para Portugal. As forças políticas e sociais que o tomam como um determinante inultrapassável dos nossos próximos dez anos assumem, com maior ou menor convicção, a austeridade como um caminho que tem de continuar a ser feito, a ser aprofundado, sem cedências nem tergiversações. Porque é isso, sem sombra de dúvida, que decorre da imposição de um défice estrutural de 0,5% do PIB fixado pelo tratado em causa.
Os cálculos do Banco de Portugal sobre as possibilidades de cumprimento das metas estabelecidas no tratado apontam para uma evolução nos próximos cinco anos que, no melhor dos cenários, terminará com um défice com 7700 milhões de euros a mais do que o exigível por essa altura para atingirmos a mirífica marca dos 0,5%. No melhor dos cenários, repito. Porque, contas do Banco de Portugal, essa cifra supõe um crescimento médio anual do PIB de 3,4%, quando a média dos últimos 15 anos rondou os 2,5%. Por outras palavras, a adoção do Tratado Orçamental como dado de partida condicionador das políticas nacionais implicará não apenas a perpetuação da austeridade já aplicada como o seu agravamento em, pelo menos, 7700 milhões de euros.
O arco do Tratado Orçamental tem, assim, para Portugal, um programa de perpetuação e agravamento da austeridade. Olha para o País daqui a dez anos e todo o caminho até 2024 estará balizado pelo Tratado Orçamental e pela austeridade que ele supõe. Pode depois adornar a imagem com discursos de modernização, de equidade territorial ou de regresso à paixão pela educação. O certo é que, refém da lógica implacável das metas impostas pelo Tratado Orçamental, tudo isso não é senão retórica ou fantasia enganadora para eleitores disponíveis para comprar ilusões. Assumir o Tratado Orçamental como um dado e ao mesmo tempo ser um bocadinho contra ele é algo que é politicamente desonesto. Assumir o Tratado Orçamental como constituição de facto e exprimir ao mesmo tempo vontade de que haja uma convergência das esquerdas é algo não só insanavelmente contraditório como politicamente leviano e incentivador da deceção e da apatia.
Há um outro programa para mudar o País em dez anos. É a Constituição da República. É um programa de reequilíbrio do País - e não apenas das suas contas - e de prioridade às políticas sociais, económicas, territoriais, fiscais e ambientais que o estimulem. Este programa supõe a rejeição clara do outro. Porque não é possível fortalecer o País enfraquecendo-o, enriquecer o País empobrecendo-o ou reequilibrar o País desequilibrando-o.
A reflexão estratégica que o País tem de fazer já sobre os seus próximos dez anos é também uma escolha de blocos políticos que suportem as propostas contrastantes que esse exercício determina. Em Portugal, como na Europa comunitária em geral, o tempo das charneiras entre as visões programáticas opostas acabou. Na política portuguesa há o arco do Tratado Orçamental e o arco da democracia constitucional. E entre os dois campos não há meios campos.