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17-06-2014        Brasil Post

12 de Junho, 2014, primeiro jogo da Copa do Mundo. Adeptos dentro do novo estádio, talhado à medida para o evento internacional iniciam os protestos. Especificamente iniciam ofensas diretas, gritadas por um grupo coordenado: "Dilma, vai tomar no cú." É uma mensagem que vem junto com gestos obscenos dirigidos tanto contra a Presidenta brasileira, Dilma Rousseff, como contra a FIFA (curiosamente nunca personificada na figura do seu presidente Sepp Blatter, distanciando o seu rosto do que se atribui à FIFA), a organização que supervisiona o futebol internacional e a Copa do Mundo.

Por um lado, estes protestos e xingamentos podem ser entendidos como reflexo das ansiedades e insatisfações decorrentes da desaceleração econômica e de gastos que, na opinião de quem vaia, são injustificados, usados para a construção de estádios luxuosos e de denúncias de corrupção envolvendo a própria FIFA. Dilma não discursou para as evitar. Mas quem vaiou Dilma pagou o bilhete para estar dentro.
Do lado de fora, há também protestos. Entre o lado de fora e o lado de dentro, há uma clara barreira social e de entendimento político, que varia entre ingressos a 900 reais a cortesias para VIP. Quem está fora tem maior probabilidade de sentir diretamente os seus direitos violados, a falta de serviços públicos dignos, a pobreza e desigualdade que, apesar das mudanças, ainda prevalece no país. E quem está dentro do estádio? Um público composto principalmente pela elite do país; e, tratando-se de futebol, uma plateia principalmente masculina - um público que consegue pagar para estar aí dentro. E foram justamente algumas destas pessoas que conseguem estar dentro que usaram de forma repetida ofensas sexistas, que pregam, mesmo que simbolicamente, a violência sexual.

A questão que aqui se levanta é: se Dilma Rousseff fosse um homem, os gestos obscenos manter-se-iam? A torcida branca, majoritariamente masculina, pertencente à elite, faria o mesmo com outros políticos, homens? A expressão "vai tomar no cú" pode ser considerada como sendo tão banal que já não significa nada para muitas pessoas, principalmente para muitos homens. Para as mulheres, e as mulheres que se atrevem a estar no poder, o significado é real - desde Hillary Clinton a Dilma Rousseff e muitas outras. O significado de "vai tomar no cú" é também real para quem já passou pela tortura de regimes autoritários, como é o caso de Dilma Rousseff, ex-presa política.

Do lado de Dilma Rousseff estava Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU. Na sua chegada a São Paulo, destacou que o esporte "une" as pessoas em torno de "valores comuns", e que essa "paixão compartilhada" é "uma grande demonstração de como o esporte pode unir as pessoas em torno de valores comuns: o trabalho em equipe, fair play e respeito mútuo".

No dia 12 de Junho, o Secretário-Geral não deve ter entendido o teor das vaias a Dilma. No mesmo 12 de Junho, em Londres, debatiam-se formas de combate à violência sexual em contexto de guerra, na Conferência Global contra a Violência Sexual em Conflitos. E Ban Ki-moon estava longe, celebrando o fair-play. Enviou, no entanto, uma representante: Zainab Bangura, da Serra Leoa, a enviada especial da ONU para violência sexual em conflitos. Ela discursou com secretarias de estado e chanceleres da Inglaterra e dos Estados Unidos, entre outros países, sobre um dos problemas mais sérios de violência contra mulheres no mundo (que não se restringe a contextos de conflito armado).

Os meridianos e paralelos que separam estas duas realidades - do sexismo e do combate a uma das piores formas de sexismo - não dizem respeito a geografias, mas a realidades ubíquas que é preciso promover e combater. É preciso protestar contra a desigualdade, a corrupção, o poder da FIFA. Mas também contra o sexismo em todas as suas formas. Que vergonha para o Brasil escutar ofensas desse tipo, e que vergonha para homens e mulheres no mundo inteiro que acreditam nos direitos e na igualdade plena entre homens e mulheres.


 
 
pessoas
Gary Barker
Tatiana Moura



 
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