Número consta de um relatório do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e é avançado Carvalho da Silva no programa Conversas Cruzadas da Renascença | 22-06-2014 16:09 por José Bastos
“Três mil milhões de euros dos rendimentos do trabalho são transferidos, por ano, para os rendimentos do capital”. É uma das conclusões de um estudo do Centro de Estudos Sociais (CES) ampliadas por Carvalho da Silva no programa Conversas Cruzadas da Renascença.
O relatório do CES da Universidade de Coimbra quantifica a transferência de riqueza dos trabalhadores para as empresas promovida pelas reformas laborais como próxima das pretendidas pela fracassada alteração da taxa social única (TSU).
O estudo não contabiliza os cortes salariais ou aumento de impostos. As alterações à TSU deveriam disponibilizar 2,3 mil milhões de euros, mas foram abandonadas depois das manifestações de Setembro de 2012.
“Em contexto de crise aumentou o excedente de acumulação de capital. Ou seja: aqueles que beneficiam desta transferência aumentaram a sua riqueza. Desde 2009 para cá, por exemplo, os funcionários públicos perderam em média 19% do seu rendimento”, afirma Carvalho da Silva, coordenador do CES da Universidade de Coimbra.
Álvaro Santos Almeida, economista ex-FMI, defende a inevitabilidade da transferência de rendimentos do trabalho para o capital.
“De facto, nos últimos anos houve uma transferência dos rendimentos do trabalho para o capital. Mas tinha de ser assim, porque as empresas portuguesas não eram competitivas em 2009”, sustenta o professor da Universidade do Porto.
“De 1995 – o último ano em que as empresas portuguesas conseguiram vender para o exterior o suficiente para o país pagar o que importou – até 2009 os custos unitários do trabalho aumentaram 49%. Na zona euro aumentaram 22%. Ou seja: relativamente à zona euro as empresas portuguesas só podem retomar a competitividade quando esse aumento adicional for reposto e eliminado.”
“Se insistirmos em ter todos os rendimentos no trabalho e nenhum no capital o que teremos é falências com empresas a fechar. Então aí é que não há rendimento nenhum. Nem do trabalho nem do capital. Se queremos uma economia competitiva, de facto, tem de haver um rebalanceamento entre os rendimentos do trabalho e do capital” sustenta Álvaro Santos Almeida.
Álvaro Almeida: “Portugal caso único no FMI”
Antigo quadro do Fundo Monetário Internacional em Washington, Álvaro Santos Almeida admite condições de mercado e de estratégica política como causa da ausência de encerramento formal do ajustamento, mas critica sobretudo o Tribunal Constitucional (TC).
“Fomos um caso único pela negativa na história dos programas do Fundo Monetário Internacional. Parece que foi a primeira vez de um país cumprir todas as revisões menos a última. Habitualmente ou deixa de cumprir muito mais cedo - e muitas ficam por cumprir - ou cumpre todas. Porque se já cumpriu 11 porque não há-de cumprir a 12ª? Nós não cumprimos a 12ª porque o Tribunal Constitucional não deixou”, acusa Álvaro Santos Almeida
“Se o TC tem esse poder de decidir sobre as políticas orçamentais portuguesas convém, o mais cedo possível, perguntar ao Tribunal o que permite ou não. Para que não haja incertezas, não haja dúvidas sobre o que poderão ser essas políticas”, defende o economista enquadrando o pedido governamental para o Presidente da República accionar fiscalizações preventivas.
Carvalho da Silva, ao contrário, defende os juízes do Palácio Ratton. “As leituras do TC têm em consideração as dimensões económicas, culturais, sociais e políticas e, acima de tudo, têm de ter em conta a vida dos portugueses. É isso que o TC tem de fazer e o Governo tem de governar dentro dos parâmetros da Constituição”, aconselha o sociólogo.
“Se o Governo acha que a Constituição é o seu principal obstáculo diga-o. Anda a dizê-lo de forma encoberta, mas diga-o formalmente. Se o governo acha que o obstáculo é a democracia, ou seja, se para servir os credores e os agiotas - actuando sobre Portugal - temos de abandonar a democracia que isso seja dito aos portugueses para tomarmos opções. Agora o que não se pode é andar nesta chantagem sobre o Tribunal Constitucional” nota Carvalho da Silva.
Carvalho da Silva: “Revolta que o país seja governado por tecnocratas”
“Numa democracia parlamentar o que é democrático é ser o povo, através dos seus representantes, a tomar a opções políticas como, por exemplo, a interpretação do princípio da igualdade. Portanto, deixar a aplicação desse princípio nas mãos de um órgão não-eleito, o TC, é uma violação da democracia”, defende Álvaro Santos Almeida.
“A nossa Constituição não permite até que um órgão eleito como é o Presidente da República vete definitivamente decisões da Assembleia da República. O veto presidencial pode ser ultrapassado por uma decisão da Assembleia da República. Porquê? Porque a Assembleia da República representa o povo e o povo é que tem a última palavra”, nota o ex-presidente da Entidade Reguladora da Saúde.
“Ora, o veto do Tribunal Constitucional, um veto político, não pode ser ultrapassado. Esse facto coloca em causa toda a estrutura democrática do nosso sistema. O nosso sistema não é democrático porque permite a um órgão não democrático ter este papel”, sentencia o economista.
Manuel Carvalho da Silva discorda. “Eu aplaudo todos aqueles que não gostam de ser governados por órgãos não eleitos, mas o Tribunal Constitucional tem uma composição definida pela Constituição envolvendo de uma forma directa a participação dos deputados eleitos pelo povo”, refere o ex-líder da CGTP.
“Mas revolta-me muito mais que o país seja governado por tecnocratas que decidem à margem do poder. Que seja governado por uma Troika que não foi seguramente eleita pelos europeus. Os membros da Troika, esses, não foram mesmo eleitos”, conclui Carvalho da Silva.