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22-12-2021        As Beiras

Para fazer face ao tão propalado defi cit demográfi co, Coimbra terá de apostar forte na captação de investimento e na oferta de trabalho, mas também terá de apostar na habitação. Terá de ir mesmo mais longe, terá de fazer da próxima década uma verdadeira revolução na oferta habitacional. Como?

Primeiro, há que ultrapassar alguns mitos suburbanos, bem arraigados nos modos de estar e de pensar de algumas franjas sociais tidas como bem pensantes.

Um deles, podemos designá-lo por mito da insuficiência de terrenos para construção. A zona urbana de Coimbra, incluindo a designada cidade consolidada têm um número muito significativo de habitações devolutas e/ou arruinadas. E, a talho de foice, os equipamentos públicos não lhe ficam atrás, mas isso fica para outra crónica. Mas também possui um número muito significativo de terrenos esbanjados, parcelas sobrantes da mal-amanhada manta de retalhos que, salvo alguns honrosos exemplos, comandou o uso do solo urbano na última metade do século passado. São espaços urbanos de grande potencial construtivo, que ficaram sobrantes em diversas operações de loteamento feitas só de si para si, costas com costas, sem pensar no espaço público, sem pensar nas continuidades espaciais que caracterizam a urbanidade desse uso público. Vai ser necessário inventariar esses terrenos, planeá-los tendo em vista o bem comum, mas também a possibilidade de ampliar e qualificar a oferta habitacional.

Outro mito é o da habitação unifamiliar na periferia, um mito que se desenvolveu no pós segunda guerra mundial, nos Estados Unidos da América. Foi instigado pelo Governo Federal para desenvolver a indústria automóvel e pegou que nem querosene no “espírito pioneiro” e individualista dos americanos. A ambição da little house on the prairie, que foi gerada pelo absurdo investimento público nas redes de auto-estradas e no concomitante desinvestimento nos centros das cidades, nas suas redes de transportes públicos, gerou a loucura do sprawl suburbano. E depois dizem que foi o mercado a funcionar, enfim, adiante... Mas o que é certo é que se tornou viral e global já há muito tempo. Portugal não lhe escapou e Coimbra vai atrás, só que, ao invés de operações gigantescas de planeamento suburbano racionalizado, vai permitindo os pequenitos loteamentos que pode, nas velhas estradas municipais que se vão estendendo paulatinamente, ao sabor do cadastro dos espaços de vizinhança.

Por fim, o mito de que, nas cidades, tudo tem de ser pensado em função do automóvel. Falamos muito dos combustíveis fósseis, das bateria de lítio, da resiliência dos bens de consumo, mas por todo o lado, uma percentagem muito considerável de normativa urbana respeitante à habitação gira em volta do automóvel individual, tal como há meio século atrás. Há muitas cidades que contam já vários milénios, Coimbra tem pelo menos dois, e uma grande parte delas continua a pensar a sua normativa urbana quase inteiramente em função de um meio de transporte, o automóvel individual, que tem pouco menos de 130 anos e que, se calhar, até tem os dias contados. Não quero com isto dizer que não se deva pensar no automóvel, não, longe de mim, devemos é começar a considerar a sua fatal perda de protagonismo no meio urbano, num futuro que se deseja próximo.

Abstrairmo-nos destes mitos, ou pelo menos questionarmo-nos sobre a sua validade nos tempos que correm, deverá ser o primeiro passo para conseguimos planear a habitação urbana para a próxima década.

Construir habitação em meio urbano pressupõe depois algumas condições que aparentemente, só aparentemente, são muito difíceis de conseguir. Em primeiro lugar reabilitar o degradado parque habitacional existente, reabilitar, reabilitar, reabilitar! Em segundo lugar, intervir sobre os terrenos esquecidos pela especulação fundiária, promovendo a oferta de habitação de qualidade. Em terceiro lugar, os poderes públicos devem regular as intervenções, no sentido da grande qualidade das mesmas; no sentido da diversidade de standards habitacionais, para evitar processos de gentrificação; no sentido de promover e incentivar o uso de casas e de terrenos abandonados. Como? Investindo muito seriamente na eficácia do transporte público em meio urbano denso e isso, em Coimbra, até já tem um motor de arranque, o Metrobus, possamos embora nós estar ou não estar de acordo com ele. Mas também dando incentivos, fiscais e outros, às operações mais qualificadas, acelerando os processos que desenvolvam a habitação interclassista e, nos casos mais gritantes, intervindo eles próprios com a promoção habitacional pública, que terá de ser exemplar em relação a todas estas premissas. Mas, acima de tudo, planeando e projetando tudo à cabeça. Que é o que nunca, ou quase nunca, foi feito até aqui.


 
 
pessoas
José António Bandeirinha



 
temas
habitação    mobilidade    cidade    urbe    automóvel