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11-06-2025        As Beiras

A atividade cultural em Portugal perdeu dignidade ministerial. Passou a Secretaria de Estado. Na verdade, no governo anterior, a Ministra não soube fazer jus à premente necessidade de dignificar a atividade cultural. Do Centro Cultural de Belém à Direção-Geral do Património Cultural, passando pelo Museu Nacional de Arte Antiga, pelas Comemorações do Centenário de Camões, e até pela sua própria Secretária de Estado da Cultura, entregou-se dedicadamente a um conjunto de tricas e de míseras vendettas pessoais e partidárias, sem que daí se pudesse antever nada de minimamente edificante. Demasiado ocupada a tirar inimigos e a pôr os amigos no seu lugar, não teve tempo de se dedicar ao ministério, nem à cultura.

O governo requentado, nascido das eleições de 18 de Maio, talvez tenha interpretado esses episódios espúrios como ausência de necessidade de um Ministério da Cultura. Parece que agora anda tudo a interpretar o resultado das eleições, o governo inclusive, a ver como se chegou a esta situação de ter a extrema direita com um resultado próximo da hegemonia.

O orçamento oficial da cultura em Portugal corresponde a 0,6 por cento do PIB, um dos valores mais baixos da Europa. Não admira, num ambiente mediático oficial em que, por cada jornalista, temos pelo menos cinco ou seis comentadores políticos, e num país em que se instituiu que os candidatos a presidente da República têm de tirocinar como comentadores de televisão, ao domingo, em horário nobre, o governo em peso também bem se pode dedicar a interpretar a ascensão da extrema direita populista e achar que é por haver cultura a mais. Esses 0,6 por cento do PIB serão mais bem empregues a reforçar o orçamento da defesa ou, melhor ainda, a criar mais polícias de controlo de imigrantes. De resto, é isso que também pensa a Itália de Miss Meloni e o gang das motosserras, acabadinho de sair de um episódio da Marvel Comics, que até já se tornou realidade, Super-Milei e XMan Musk, bem como o seu arqui-inimigo desta semana Donald Mefistrump, mais conhecido na versão portuguesa como o Tarifário.

E pensando melhor, talvez seja isso mesmo que há a fazer, investir esse dinheiro mal-empregado para criar a perceção que os imigrantes não entram. Ou seja, eles até podem entrar, que remédio, senão a economia parava, mas o governo cria a sensação que eles não estão cá. Estão todos a trabalhar durante o dia, mas depois escondem-se, amontoados em garagens que cobram novecentos euros ao mês, e pronto. Resolve-se assim e fica instalada a perceção que afinal não há imigrantes, afinal é tudo mais uma das já célebres invenções do Captain Ventura.

A questão da cultura, ou da ausência dela, é essencial para se perceber o estado da situação a que chegou este mundo. Os meios de comunicação contemporâneos ou são oficiais e orgânicos, e estão exclusivamente preocupados em perpetuar a defesa dos interesses da maioria dos acionistas, até aqui associados aos chamados partidos do arco do poder, ou são informais e inorgânicos, eufemisticamente apelidados de redes sociais, e se dedicam hegemonicamente a embrutecer a população. Se não acreditam, convido-vos a ler as caixas de comentários de alguns jornais sobejamente conhecidos, de preferência as notícias de desporto. Se ainda assim não for convincente, entrem a fundo nessas redes de comentários políticos, nos posts de cinco segundos e nas frases de cinco palavras máximo. Acham que vão encontrar uma estância de Sophia, um aforismo de Bernardo Soares, um acorde de Shostakovitch, ou uma quadra do Aleixo?

Isto não começou ontem. Umberto Eco já em 2006, há vinte anos portanto, nos avisava que os populistas identificam os projetos próprios como a vontade do povo e depois, se levam esses projetos avante, e muitas vezes levam, seduzem um grande número de cidadãos que ficam fascinados pela imagem virtual com a qual acabam por se identificar. Depois… depois é fácil. Só têm que transformar esses cidadãos no povo que eles próprios inventaram.

Foi assim há um século atrás, levou ao que levou. Os nacionalismos culminaram na guerra mais sangrenta de sempre. Já estamos alegremente a dar passos decididos no mesmo sentido. Claro que, nesta alegre marcha, a cultura só atrapalha.

Viva a morte, abaixo a inteligência! Gritou-se aqui ao lado, no Paraninfo da Universidade de Salamanca, em 12 de Outubro de 1936. Uma semana depois, o reitor Miguel de Unamuno morreu de doença não identificada.


 
 
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José António Bandeirinha



 
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