Hesito sempre em pôr este ditado em título, para além do mais porque está desatualizado, hoje o bacalhau está muito longe do preço da chuva e até mesmo a chuva não está nada barata... contudo, dado o que se passa, desta vez não posso mesmo deixar de o usar.
Os dois troços da primeira fase da linha de alta velocidade foram postos a concurso com um desfasamento de cerca de seis meses. Ambos tiveram um só concorrente, aliás exatamente o mesmo consórcio, inteiramente nacional. Diz-se que foi porque o preço base era demasiado baixo para atrair candidaturas de consórcios internacionais.
O primeiro troço, entre o Porto e Oiã, inclui a reformulação da estação de Campanhã, uma nova ponte dupla sobre o Douro, rodoviária e ferroviária, e uma nova estação intermodal em Santo Ovídio, Gaia, totalmente subterrânea, para uso de comboios normais, comboios de alta velocidade e Metro do Porto. O Porto fica assim muito bem servido, com duas grandes estações para já nesta fase, depois terá ainda mais uma no Aeroporto Sá Carneiro. Já está tudo em andamento, felizmente.
O concurso para o segundo troço, por sua vez, incluía a adaptação da Estação Velha, que é a vergonha que todos bem conhecemos, e a quadruplicação da Linha do Norte entre Taveiro e o extremo sul de Coimbra B.
Porém, depois de analisada pelo júri, a candidatura única foi excluída. Aparentemente, e de acordo com as notícias mais detalhadas, o consórcio que concorreu, o mesmo que venceu o primeiro troço, repito, não teria respeitado o caderno de encargos no que diz respeito á estação de Coimbra, essencial para que a cidade não perca todas as suas estações, e à quadruplicação da Linha do Norte, essencial para a fluidez do trânsito ferroviário regional, suburbano e de mercadorias. O consórcio tem agora um período de dez dias para se pronunciar, mas seria interessante perceber o que leva um concorrente, que se presume que na altura não sabia que era o único, a cumprir tão escrupulosamente o caderno de encargos para o primeiro concurso, muito mais exigente, e a não cumprir tão descaradamente o segundo, muito mais acessível. Mas isso ficará para quem de direito.
Coimbra preparou-se, e bem, para esta verdadeira revolução nas suas acessibilidades nacionais e internacionais. Apesar de alguma polémica, sempre salutar, o Plano de Pormenor da Estação Intermodal prevê as possibilidades de expansão do centro urbano até ao Alto da Estação Velha e enquadra o que seria a nova porta nobre da cidade num nó de articulação com os restantes transportes públicos, autocarros de longo curso, SMTUC, Metro Mondego, tráfego rodoviário e mobilidades leves. Pela primeira vez em muitas décadas, há uma obra pública de escala significativa, com capacidade de alavancar a cidade, elevando-a para um patamar um pouquinho mais consentâneo com os padrões europeus.
Neste ponto em que agora nos encontramos, com o concurso encerrado, algumas alternativas se põem. Só ao Governo cabe decidir. Uma delas, a única vantajosa para Coimbra, é a abertura de um novo concurso, com a rigorosa manutenção do mesmo caderno de encargos e uma subida do preço base para atrair novas candidaturas, inclusive as internacionais. Isso representaria apenas alguns, poucos, meses de atraso.
Outra é alterar as condições do caderno de encargos, o que adiaria o processo por alguns anos, para além de parecer que se estava a ir ao encontro da proposta incumpridora de um potencial concessionário. Ora, se assim for, e face ao dramatismo do contexto internacional, não é de todo improvável que tudo acabe subitamente e a linha se fique por Oiã.
A todo o momento pode acontecer o que tem acontecido sempre que parece que as coisas estão a andar bem. Lembro só as mais recentes, em 2010, quando estávamos para ter uma linha de elétrico rápido para a Metro Mondego. Ficou parada uma década, subtraiu-se uma linha de comboio à rede ferroviária regional, que hoje seria muito bem-vinda, e regressou uma década depois sobre a forma de rede de BRT (autocarros elétricos). Uma solução muito mais barata, por certo, muito menos resiliente, sem dúvida.
Ou ainda em 2012, quando o país ainda estava de rastos. Por decisão unilateral do governo da altura fez-se o cenário mais baratucho da A13, deixando-nos como herança, em Ceira, aquela indescritível rampa de descida aos infernos.
Não, desta vez não! Seja lá de que cor forem os governos, centrais ou autárquicos, Coimbra não aguenta pactuar mais uma vez com esse “P’ra quem é bacalhau basta”!
Apelo assim a todas as listas candidatas às Autárquicas para que inscrevam nos seus programas esta preocupação crucial para o município. Para o troço da primeira fase entre Oiã e Soure, terá de ser um novo concurso, mas com o mesmo caderno de encargos e uma subida consentânea do preço base. Já está tudo feito, não há razão nenhuma para grandes atrasos.
Nem a cidade, nem a região aguentam muitos mais desaires deste tipo.