A propósito da tomada de posse de Donald Trump, escreveu a jornalista Teresa de Sousa a dado passo: «O mais significativo foi, sem dúvida, a presença em lugar de destaque dos três homens mais ricos do mundo, que são também os donos de gigantes tecnológicas – Egon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos. A nova “oligarquia tecnológica” de que falava Joe Biden no seu discurso de despedida. Também é justo lembrar que representam empresas extraordinariamente inovadoras que, por alguma razão, nasceram todas nos Estados Unidos. Na Europa os mais ricos ainda estão na anterior revolução tecnológica, dos automóveis ou dos aviões.» Uma aproximação, inevitavelmente simplificada, a uma nova dimensão da realidade mundial com a qual temos de conviver.
Quando comecei a usar as redes de computadores – primeiro uma pequena BBS intrauniversitária, depois, a partir de 1992, uma Internet nos seus ainda demarcados e lentos primórdios – experimentei dois sentimentos. Por um lado, o de entusiasmo perante uma nova linguagem e um novo mundo de comunicação, conhecimento e partilha que se abriam e propagavam quase infinitamente a partir dos nossos dedos. Por outro, o de incerteza, associado à forma como esse novo universo iria, como ocorrera no passado com as revoluções da tipografia e depois da televisão, revolver as formas tradicionais de interação humana, com inevitável impacto na definição da coisa pública, logo pressentindo que o otimismo justificava alguns cuidados.
Neste quadro, escrevi o seguinte ainda em 1999, num capítulo, «Cibercultura e novas fronteiras da comunicação social», incluído na obra coletiva Rumo ao Cibermundo: «A nova era da informação levanta questões novas, de teor cultural, mas também de natureza política, que necessariamente confrontam a criatividade e o receio de inovação, a a luta pela justiça e a desigualdade, a liberdade e a opressão. É necessário instalar um “estado de prontidão” que assegure uma reflexão sobre os problemas, dificuldades e dúvidas que se colocam constantemente no seu caminho.» Não me considero profeta, mas o futuro deu-me razão: os novos processos mostraram que o que de bom e de mau existe no humano não deixou, também neste campo, de se manifestar.
Hoje é facilmente visível a forma como, a par do que de bom e útil trouxe, a grande mudança nos processos de comunicação abriu duas dinâmicas tão poderosas quanto perigosas. A primeira inclui a disseminação de informações e afirmações não reguladas ou comprovadas, criando um universo paralelo, facilmente acessível ao cidadão comum, onde os antigos critérios de convivência, conhecimento e escolha foram subvertidos. A segunda traduz uma deslocação do centro de boa parte do poder político e económico para áreas, até há pouco inexistentes, distantes da produção e concentradoras de riqueza nas mãos de uns poucos, que vivem sobretudo da manipulação da informação e do consumo. Que os patrões da Tesla e do X, do Facebook e da Meta, da Blue Origin e da Amazon, tenham surgido a festejar a instalação de Trump no topo do país mais poderoso do mundo, evidencia que esse processo atingiu um elevadíssimo patamar.
Uma realidade ainda há três décadas apenas possível como ficção distópica, que agora determina as nossas vidas, corroendo a democracia, a liberdade e o bem-estar. Com ela temos de conviver, reformulando os quadros de compreensão do mundo e das suas dinâmicas. Não porque ela nos imponha um incontornável destino, mas, como aconteceu em tantos momentos da história, porque a exploração e a coerção sempre requerem formas de resistência e de alternativa. Destinadas, neste caso, a contrariar a nova oligarquia tecnológica e as suas terríveis armas de domínio global através das máquinas.