Durante muito tempo, tendências xenófobas e racistas estiveram adormecidas na sociedade portuguesa e nas suas instituições, e os negros de África e do Brasil foram as suas vítimas. Sob o atual regime, essas tendências ressurgiram. Mas desta vez, o alvo oficial foi a comunidade sul-asiática em Portugal. Não só a maioria de portugueses, mas também o Governo atual parece trabalhar com motivos racistas, que desumanizam e discriminam os imigrantes sul-asiáticos de tez castanha em Portugal, como reflete a rusga policial realizada no Martim Moniz a 19 de dezembro de 2024. Foi uma rusga conduzida da forma mais humilhante para mostrar aos imigrantes sul-asiáticos a sua posição inferior na sociedade portuguesa. Poderia ter sido uma situação simples, se a polícia tivesse trabalhado de forma discreta, uma vez que a polícia acredita que o que está em causa é a segurança do cidadão português. (Como se quem vive no Martim Moniz fosse inimigo do Estado ou pessoas indesejadas.)
No entanto, não é isso que parece. A operação policial retirou a dignidade não só aos que foram empurrados contra a parede durante a rusga, mas a todos os membros da comunidade sul-asiática em Portugal. Basta olhar para as redes sociais e para os comentários de leitores dos jornais nacionais, que estão cheios de xenofobia e racismo dirigidos contra a comunidade sul-asiática — toda a comunidade. Além disso, relativamente à forma como as notícias são apresentadas pelos pivôs, o seu tom tresanda a racismo evidente. Em nome da segurança nacional, toda a comunidade sul-asiática tem sido demonizada pela polícia e pelo governo português.
O primeiro-ministro português, Luís Montenegro, considera que a operação da PSP no Martim Moniz, em Lisboa, foi “muito importante”, pois considera que operações como esta têm lugar “para que haja visibilidade e proximidade no policiamento e fiscalidade de atividades ilícitas”. No entanto, ao visar a comunidade mais marginalizada e invisível da sociedade portuguesa, de uma forma tão desprezível, o Sr. Primeiro-Ministro desfez anos de trabalho árduo e causou danos irreparáveis aos laços sociais formados entre a comunidade sul-asiática e o Estado e o povo portugueses. Inicialmente, a rusga pode tratar-se de um caso de polícia, mas não se pode negar a existência de uma política sórdida por detrás. Trata-se de uma clara viragem para a política de direita em Portugal dirigida aos imigrantes do Sul da Ásia.
A rusga policial polarizou muitos cidadãos e criou uma divisão social. Parece que foi traçada uma linha abissal — com a cumplicidade do Estado — entre os que vivem no Marim Moniz e os que vivem fora. Esta rusga criou “um inimigo nacional” a partir da comunidade sul-asiática. A estratégia política de criar um “outro inimigo” é comum num Estado autoritário. Mas, em Portugal, seria interessante ver quem beneficiaria “politicamente” com a demonização de toda uma comunidade sul-asiática, e será que um português comum deixaria que isso acontecesse?
Um inquérito recente mostra que dois terços da população portuguesa, 63% dos inquiridos, querem restringir a imigração do subcontinente indiano, nomeadamente os provenientes da Índia, do Nepal e do Bangladesh (que representam apenas 9% do número total de imigrantes) e consideram que os imigrantes estão a contribuir para o aumento da criminalidade. No que diz respeito aos países ocidentais, o sentimento é o mais positivo, com apenas 26% dos inquiridos a apelarem a uma diminuição. No entanto, a comunidade que mais contribui para a segurança social, a seguir à brasileira (1.033 milhões de euros, 38,6% do total) é a indiana (168,4), seguida da nepalesa (102,9). Este inquérito reflete, em certa medida, os sentimentos e a atitude antagónicos dos cidadãos portugueses em relação aos imigrantes sul-asiáticos. O sentimento pode ser temporário, mas existe claramente, e o atual regime e o sistema policial podem estar a refletir a atitude da sociedade em geral.
No entanto, há alguns sectores da população portuguesa nativa e partidos políticos (Bloco de Esquerda, PS, PCP) que defendem sempre os direitos da comunidade sul-asiática. O protesto “Não nos encostem à parede”, em 11 de janeiro, em Lisboa, refletiu essa solidariedade. Esta manifestação contra o racismo e a xenofobia de que são alvo os imigrantes sul-asiáticos mostra que, embora um imigrante em Portugal possa sentir-se impotente e desamparado perante a brutalidade do Estado, há sempre um povo com bom coração que está pronto a apoiá-lo.
Como indiano a viver em Portugal, já fui vítima de discriminação várias vezes, algumas a nível institucional, outras a nível pessoal. Agora parece-me que não se trataram de uma incidentes esporádicos, mas antes um padrão consistente de discriminação racial enraizado em todo o sistema e na sociedade. Escusado será dizer que a rusga policial no Martim Moniz deixou uma cicatriz profunda nas mentes e nos corações da comunidade sul-asiática, alienando-a da sociedade e do sistema português. Este incidente terá consequências a longo prazo para a comunidade sul-asiática e para a política portuguesa.