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22-01-2025        As Beiras

As coisas primeiro têm de aparecer. Na Grécia antiga os demiurgos eram aqueles que faziam “aparecer” as coisas. Ou seja, as coisas erravam casuisticamente pelo caos, mas, depois de juntas e combinadas, apareciam, ganhavam sentido, tornavam-se úteis. Era então que lhes era dado também um nome.
Quanto mais compreensível for o espaço urbano, tanto melhor é a sua apropriação pelos cidadãos. É assim, tornando-a cada vez mais compreensível para todos/as, que a cidade se transforma na nossa “casa” coletiva. E a toponímia das cidades é essencial para a sua compreensão.

Mas, tal como a cidade, a toponímia é também um valor vivo e, consequentemente, em constante mutação. Os nomes que, há algumas décadas atrás, representavam zonas claras e delimitáveis de Coimbra, por exemplo, hoje têm um sentido muito diferente. Celas era um pequeno burgo entre o Mosteiro com o mesmo nome e o cruzeiro que pontificava no largo. Hoje corresponde a uma parte muito maior da cidade, com valor imobiliário, que alcança o que antes se chamava Montes Claros, vai até aos Olivais e chega mesmo à Cumeada.
O Calhabé deixou de existir, S. José esfumou-se, mesmo o nome “Bairro”, que correspondia ao Bairro Económico do Calhabé, mais tarde Marechal Carmona, mais tarde ainda Norton de Matos, já não é muito utilizado. Hoje é mesmo tudo Solum e pronto.

Mantêm-se Santa Clara, a Conchada, a Alta, a Baixa, a Baixinha e alguns outros. A Casa do Sal, que costumava ser a entrada norte da cidade consolidada, hoje é um monstro de macarrão rodoviário que atormenta toda e qualquer tentativa de pontualidade. Os Arcos do Jardim converteram-se ao Papa.

Contudo, a toponímia corresponde também ao nome dos elementos urbanos: avenidas, ruas, travessas, becos, praças, largos, terreiros, etc. Essas designações, juntamente com os números de polícia, identificam claramente as habitações, estabelecimentos comerciais, escritórios, oficinas... A vida urbana fica mais fácil, encontros, visitas, encomendas várias, tudo flui e se torna claro. Uma toponímia esclarecedora e inequívoca é um dos pilares essenciais da urbanidade.

Mas tudo isto funciona mal em Coimbra, essa clareza foi sendo negligenciada ao longo do tempo. Desde logo porque grande parte dos espaços urbanos foram concebidos como infraestruturas rodoviárias e depois bordejados por edifícios mais ou menos tortos em relação às “estradas”. Não foram urbanizados, portanto. Só assim se compreende, por exemplo, como foi que o grande escritor e poeta de Coimbra, Fernando Assis Pacheco, tivesse dado o nome a uma faixa de desaceleração da Circular Interna, agora também designada por Avenida António Portugal. Jamais alguém morará na Rua Fernando Assis Pacheco, só em Maio, no Espírito Santo, é que pousam ali um ou dois carrocéis.

O/A leitor/a não conhece estas avenidas e estas ruas? Claro que não, mas não se preocupe que não é o/a único/a. E elas também não estão identificadas ou, quando estão, nós não sabemos distinguir as placas, porque são cada uma da sua qualidade, com materiais, formatos e colocações diferenciadas. Frequentemente, a numeração de polícia também está subvertida, intenções de começar numa ponta viram para a outra, repetindo números e trocando as voltas aos GPSs. A subversão da clareza toponímica é um (mais um) dos muitos indicadores da decadência de urbanidade desta cidade.

Agora, a utilização do Metrobus vai também mexer com a toponímia, vamos começar a designar alguns espaços pelos nomes das paragens e vamos voltar a saber quais são as linhas em que nos deslocamos. Como antes sabíamos com os elétricos e os tróleis.

Li algures que, no início do ano passado, teve lugar em Coimbra uma conferência internacional sobre toponímia urbana. Será que isso correspondeu também ao início de uma vontade de inverter a decadência e clarificar os nomes pelos quais designamos os espaços da nossa casa coletiva? Oxalá...


 
 
pessoas
José António Bandeirinha



 
temas
urbanismo    toponímia    Coimbra