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08-04-2017        Jornal de Notícias

Os espaços do trabalho são em geral povoados por perigos e sofrimentos múltiplos que podiam e deviam ser evitados. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), insistentemente alerta para o facto de os números de mortes e de acidentes no trabalho serem, em cada ano, à escala global, superiores aos números de mortos e feridos em guerras no mesmo espaço temporal. Acresce a esta dimensão de sofrimento o enorme impacto das doenças profissionais.

Num tempo em que todos os dias ouvimos e lemos discursos de deslumbramento com as tecnologias e o conhecimento e com os seus extraordinários contributos para criar riqueza, é caso para perguntar: porquê se utiliza tão pouco o conhecimento científico e empírico para salvar a vida e a saúde das pessoas no trabalho e dar a este valor e dignidade? Porquê as teorias sobre a competitividade, o crescimento económico e o lucro ignoram estes prementes desafios?

Esta semana assistimos à tragédia na fábrica de pirotecnia em Penajóia, Lamego. Oito vidas perdidas, famílias destroçadas e imensas pessoas profundamente afetadas. Em situações destas, toda a solidariedade é prioritária e uma obrigação, mas também é oportuno o alerta sobre o contexto do mundo do trabalho em que estas e outras tragédias grandes e pequenas, visíveis e silenciosas, acontecem.

O setor da pirotecnia vem de um passado cheio de improvisações e riscos, mas hoje há meios técnicos e outros que podem ser postos ao serviço da sua reestruturação, aumentando muito a segurança. Neste como noutros setores a questão central é a mobilização de meios, privados e públicos, e a adoção de políticas de acompanhamento rigorosas. Por exemplo, controlo sobre a origem e as condições em que chegam às empresas de pirotecnia as matérias-primas e a sua manipulação. E uma forte aposta na formação de quem ali trabalha.

Segundo dados da Autoridade para as Condições do Trabalho, no primeiro trimestre deste ano registaram-se 50 acidentes de trabalho graves e em 2016 tivemos 140 mortes. Isto num país em que houve, nos últimos anos, natural tendência para a diminuição de acidentes graves, em consequência da diminuição de atividades em setores potencialmente perigosos, como é o caso da construção civil.

O país precisa que se invista muito mais na segurança das infraestruturas e estruturas das empresas e serviços, e em políticas e ação preventiva que visem a segurança, a proteção e a saúde dos trabalhadores.

Toda a informação disponível sobre os acidentes de trabalho mostra-nos que estes, no global, não estão a diminuir. Além disso, a chamada vaga tecnológica, as alterações nas formas de prestação e de organização do trabalho, as precariedades que secundarizam a formação, estão na origem de muitos acidentes de trabalho e no surgimento de novas doenças profissionais. O desemprego é também causa de doenças, incluindo nos jovens. Não é por acaso o realce que a Organização Mundial de Saúde deu este ano aos problemas do stresse e da depressão.

Demasiadas vezes o discurso público sobre tecnologia, e até sobre outras dimensões do conhecimento, entende os seus desenvolvimentos como se estes se processassem por formatos e rumos independentes da forma como a sociedade se organiza. O discurso dominante tende a convencer-nos que, pelo contrário, seria a sociedade, sobretudo no que ao trabalho diz respeito, a moldar-se ao ritmo da inovação tecnológica e das opções de uns poucos proprietários da combinação tecnologia/ conhecimentos especiais. Sabemos que a relação entre tecnologia e trabalho é historicamente bem mais complexa.

O desenvolvimento tecnológico é sempre dependente dos incentivos e das perguntas que se colocam a cientistas e engenheiros. Se, em vez de se perguntar insistentemente como reduzir custos de trabalho para aumentar a riqueza de meia dúzia, se passasse a perguntar como reduzir o risco de acidentes no trabalho, os resultados do desenvolvimento tecnológico seriam necessariamente diferentes. Coletiva e democraticamente devemos definir as políticas públicas adequadas, e não deixar o nosso rumo coletivo entregue ao imperativo do lucro e da apropriação do valor criado pelo trabalho.

Há demasiados sofrimentos desnecessários.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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