2011 será um ano decisivo para a sobrevivência do euro?
Está em cima da mesa um conjunto grande de questões que terão de se clarificar e daí sairá o futuro do euro e da Europa. O funcionamento de uma UEM - União Económica e Monetária, tal como estabelecido, (ausência de integração fiscal e orçamental) criou problemas dos quais resultaram como beneficiários claros as economias desenvolvidas, nomeadamente a alemã. Resultaram também perdedores dessa estratégia, que são as economias periféricas, cujas dificuldades de competitividade são notórias. Para isso contribuiu também o privilégio do sector dos bens não transaccionáveis, obviamente incentivado por medidas no campo político, como as privatizações.
Com a competitividade baixa, o endividamento aumenta...
O problema da dívida dos países periféricos tem que ser resolvido em termos comunitários. Em primeiro lugar, fazendo parar a posição estritamente monetarista do BCE - Banco Central Europeu, sem nenhum papel no financiamento dos Estados carentes e, por outro lado, tem que haver uma solução mutualista, europeia, para os países endividados. Deve haver certamente uma assunção da dívida dos países endividados por uma outra instancia comunitária, não para os isentar das dívidas, mas para lhes dar a oportunidade de as reestruturarem. Este caso é o dos EUA. Isso faz-se com transferências de capital e com planos de investimento pensados à escala comunitária que integrem as periferias, modernizando-as e colocando-as numa posição competitiva mais forte. Também existem outras formas, como o investimento directo através de logísticas de deslocalização produtiva.
Como se explicam as posições eurocépticas da Alemanha?
Podemos introduzir aqui dois argumentos: um é dizer que isto é uma insensatez, pois a Alemanha está a ver o curto prazo e não o longo. O desligamento das economias periféricas virar-se-á contra a própria Alemanha. Por outro lado, vemos que esta estratégia tem uma intenção, muito consciente, de demonstrar que um país estruturalmente diferenciado dos outros pode partir para outros voos. Portanto, a hipótese da desconstrução europeia é real.
Está de acordo com a criação de eurobonds?
Isso é essencial. Porque, em primeiro lugar, esse balão de oxigénio podia intervir nas situações dos países mais endividados, e depois seria o reconhecimento de que há níveis de investimento de modernização necessários.
Há analistas que dizem que as eurobonds não avançam porque ao BCE interessa recapitalizar a banca.
Vemos aqui que muitos problemas financeiros da periferia são, em boa verdade, os problemas dos bancos e das economias que concedem crédito. E vemos que o papel do BCE tem sido esse: capitalizar o sistema bancário à custa dos Estados. Os Estados têm sido os grandes perdedores.
Aprova a criação de um fundo de estabilização permanente?
Nos últimos anos a UE desconjuntou-se e, portanto, esses mecanismos - a alteração do papel do BCE, esse fundo, as eurobonds - são formas de mutualizaçao da dívida. Tudo isto conflui para a ideia de que a Europa deixe de ser esta entidade essencialmente liberal em que se tornou. A Europa caiu numa vertigem liberal de integração, porque a coesão e a programação das próprias acções desapareceram. Nos últimos anos a UE tornou-se um ser relativamente desequilibrado, a tender para o anómalo.
O que pode ser então feito?
A solução passa por estes mecanismos, que têm de resolver problemas críticos. O outro aspecto que dotaria a Europa desta capacidade tem a ver com o plano orçamental e com as perspectivas financeiras para o período a seguir a 2013. O que a mim me parece é que é insustentável, e isso está na raiz de muitos problemas, que a Europa tenha um orçamento que não é mais do que 1% dos conjuntos dos PIB comunitários. Deve haver consciência de que não há desenvolvimento integral da UE sem um orçamento mais robusto que faça os grandes investimentos, os grandes planos de relançamento da economia. Foi assim após a II Guerra Mundial, será assim nos próximos anos nos EUA, tal como já foi anteriormente. São grandes lógicas de revigoramento da economia através do investimento. Estamos numa fase em que o investimento só é visto como despesa, com o papel pesado do Estado. Estas ideias estão erradas e desadequadas ao momento em que vivemos.
Apareceu na vida das pessoas uma nova palavra: mercados, que ditam as regras na Europa.
Só que, infelizmente, não são mercados. Não é preciso estudar Economia para saber que falamos de mercados quando existem duas partes com capacidade e que se encontram para realizar uma transacção. Quando falamos em termos financeiros, só por incorrecção é que pode falar-se de mercados. Em boa verdade, o que temos do lado de lá, de quem disponibiliza recursos, não são pessoas, mas sim uma estrutura de fundos de investimento, financiados pelo sistema financeiro que, sem nenhuma negociação entre as partes, dita as regras numa lógica absoluta. O que está a passar-se é claramente capitalismo de pilhagem. Não estamos a falar do capitalismo como sistema económico, social, de produção. Estamos estritamente no campo da pilhagem. Nunca na história moderna os Estados tiveram tal desequilíbrio perante a agiotagem.
Quando a crise explodiu, os Estados prometeram medidas de regulação fortes. Ficaram aquém do discurso?
Absolutamente. A regulação relativamente a determinadas áreas, como o funcionamento dos mercados financeiros - tal como nos transportes, comunicações, energia - deve ser mais forte para que os intervenientes privados e os mercados funcionem de forma adequada. Realmente, essa regulação, que se prometeu ser muito forte com tudo o que foi a lógica suicidária para a economia de muitos bancos, aconteceu pouco do ponto de vista da prática do crédito, da estrutura de governação dos próprios bancos, das penalizações sobre quem cometia decisões irresponsáveis. É necessário reforçar a regulação, indiscutivelmente. O que penso é que, para termos um capitalismo sustentável, não nos basta a regulação. É necessária a regulação onde ela é necessária, mas num quadro de uma economia mista para que não sejam os mercados a funcionar na totalidade da sociedade. No período anterior à crise teve-se grande fé nas estruturas regulacionistas, paralelas de uma grande fé no capitalismo liberal, que deveria ser colocado em todas as áreas, incluindo no próprio Estado. Essas, hoje, são ideias falidas. A ideia da regulação num quadro de economia mista não está falida, é uma boa ideia e devemos, eventualmente, voltar a ela. Acho que aquilo que é mais robusto e que devíamos defender são formas de economia mista.