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04-02-2021        TSF

Imaginário ligado ao colonialismo continua muito impregnado em Portugal, defende investigador.

obilizou 800 mil portugueses para combaterem nas antigas colónias e também 500 mil africanos, que foram incorporados nas tropas portuguesas. A guerra colonial provocou 10 mil mortos, 30 mil feridos e levou ao regresso de 500 mil pessoas à metrópole.

Miguel Cardina, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra considera que, 60 anos depois, o conflito continua muito presente.

"A guerra está muito viva hoje em Portugal porque está viva em quem a combateu, nas suas famílias, numa certa memória pública, e também está viva porque teve consequências enormes", refere o investigador, em entrevista à TSF.

"Não podemos compreender o 25 de Abril, não podemos compreender a democracia em Portugal, sem percebermos que é resultado da recusa em continuar a guerra, por parte das forças armadas, e, de alguma forma também, da vitória política dos movimentos de libertação", afirma.

Miguel Cardina explica que a guerra acabou com o colonialismo, enquanto realidade política, mas que continua presente no imaginário social.

"Esta ideia de um Portugal que é maior do que de facto são as fronteiras que o definem, um Portugal muito ligado à expansão marítima, à ideia das descobertas - que, ainda hoje, no imaginário nacional têm uma preponderância muito grande - e, depois, a reconfiguração que é feita a partir da década de 1950, com a adoção das teses lusotropicalistas (a ideia de que Portugal tinha tido um colonialismo mais brando, benigno, marcado pela miscigenação), vai depois impregnar-se fortemente e, de alguma forma, podemos dizer que o 25 de Abril não constituiu uma rutura com esse imaginário", expõe Miguel Cardina.

O investigador alerta para uma certa reativação deste imaginário ligado ao colonialismo, nos últimos anos, que se expressa de várias formas.

"Desde o modo como a Expo'98 foi pensada, os discursos de governantes políticos sobre Portugal e o seu lugar no mundo, a própria paisagem urbana e os monumentos que temos, o modo como contam uma determinada narrativa,...", aponta Miguel Cardina. "Essa narrativa é muito marcada por esse imaginário das descobertas e com o colonialismo, com a qual nós temos uma relação ambivalente."

"É a rutura com o colonialismo que permite a democracia portuguesa, mas, ao mesmo tempo, há a imaginação de que Portugal não foi propriamente um país colonial - e o efeito é a denegação da violência colonial", alega.

Seis décadas depois, Miguel Cardina acredita que é tempo de olhar para o passado, não para acertar contas, mas para perceber como a guerra e o colonialismo moldaram a sociedade portuguesa.

O investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra dá o exemplo de França, que, recentemente, decidiu evocar a guerra com a Argélia de forma mais abrangente. Aponta como exemplo "iniciativas memoriais comuns entre a França e a Argélia, o reconhecimento de assassinatos cometidos a líderes de movimentos de libertação ou o conhecimento histórico mais aprofundados dos massacres cometidos durante a guerra colonial e uma outra política memorial relativamente a ruas, estátuas, monumentos".

O facto de Portugal não ter ainda adotado uma postura semelhante mostra, na opinião de Miguel Cardina, "o ponto de atraso que tem relativamente à recordação da guerra colonial, mas também a um certo processo de reparação social".




 
 
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