Silva Peneda elogia desafio de Mario Draghi à Alemanha sobre compra de dívida pública. Carvalho da Silva descrê do ‘agora é que é!’
Será já em Janeiro de 2015 que “novas armas” sejam usadas para relançar a Zona Euro? Silva Peneda acredita que sim.
Na reunião mensal de Dezembro do BCE, a primeira na nova sede de Frankfurt, o presidente Mário Draghi admitiu que estão a ser estudadas “novas medidas não convencionais” para avançar em breve. Com a inflação a baixar e o crescimento na Zona Euro a ser revisto em baixa para 0,8%, em 2014, e 1% em 2015, Draghi adiantou que “a situação será avaliada no início de 2015”. “Não precisamos de unanimidade”, afirmou.
Estará aberto o caminho para que as compras de activos do BCE sejam ampliadas em montante e possam incluir dívida pública? Esta é ‘a questão do milhão de euros’.
“A hora da verdade está a chegar. Mário Draghi, julgo, já disse tudo e de uma forma explícita. Estamos num compasso de espera em que, nas próximas semanas, vai ser visível que a situação precipitará uma intervenção muito forte do Banco Central Europeu”, antecipa, no Conversas Cruzadas, o economista José da Silva Peneda.
“Berlim não vai resistir. Estou convencido disso. A Alemanha faz tudo para resistir a esse tipo de intervenção, mas, julgo, não o conseguirá”, é a leitura do presidente do Conselho Económico e Social.
Manuel Carvalho da Silva não partilha do optimismo de Silva Peneda. “Estamos num adiar sucessivo. Esta ideia de que a hora da verdade está a chegar é uma ideia retomada também ciclicamente. Vão-se criando hiatos”, nota o sociólogo.
“De vez em quando há medidas que geram uma esperança ténue ampliada do tipo: ‘agora é que é!” e isso não tem acontecido. Os países da União Europeia continuam numa trajectória muito preocupante”, prossegue o professor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Há motim a bordo do BCE?
Mas estará em curso um “motim” na comissão executiva do BCE? Cenário possível depois do presidente do Banco Central Europeu ter feito a sua afirmação mais clara sobre a instituição dar corpo ao programa de compra de títulos de dívida ao incluir dívida pública. A hipótese foi avançada pela imprensa europeia levando em conta que a compra de activos foi sempre um tema muito sensível para a Alemanha.
Silva Peneda acentua a maioria de apoios a Draghi. “Julgo que a maioria dos governadores, entre os quais o português, é, neste momento, muito mais favorável a uma intervenção mais activa do BCE”, faz notar o ex-ministro do Emprego e Segurança Social.
“A intervenção é inevitável. É evidente que a Alemanha, com a sua visão própria, vai tentar evitar, mas não irá ter força política para evitar essa acção” sustenta Silva Peneda.
Mais estímulos monetários para fazer face a estimativas “significativamente” mais baixas para a inflação e crescimento económico?, Carvalho da Silva descrê.
“Na União Europeia existe, neste momento, um excesso de liquidez e uma falta de investimento. Não estou a ver o sr.Mário Draghi voltado para uma alteração de políticas monetárias no sentido de dar tanta atenção aos interesses da finança e conceder essa atenção ao apoio directo ao investimento”.
“Isto apesar do sr. Draghi perceber bem o que se passa e até de situar alguns dos bloqueios que impedem o desenvolvimento dos países na União Europeia” sentencia o ex-líder da CGTP.
Silva Peneda reconhece as dificuldades colocadas ao projecto europeu. “A figura do Estadista não existe nesta Europa. Os líderes hoje agem em função das sondagens. E, portanto, perdeu-se a visão mais global e cada um trata do seu quintal”.
“Todos nós sabemos - e a história dá-nos - o exemplo de que quando cada um trata do seu quintal há um desastre geral à espreita”, alerta.
“Nos próximos tempos, tenho muito receio do que possa acontecer na Europa” receia o economista.
Como recuperar a esperança? Carvalho da Silva defende três ângulos. “Só se conquista o futuro acabando com este projecto de União Europeia dicotómica em que a solução de países como a Alemanha é o sacrifício acrescido e a imposição de políticas de austeridade irracionais”.
“Não há soluções, sem a Europa recorrer ao que tem de melhor: a construção do seu Estado-Social, numa perspectiva de crescimento dos países assente num modelo social avançado em que os direitos do trabalho e sociais sejam chave na estratégia de desenvolvimento”, defende o sociólogo.
“Em segundo lugar, não há soluções se a disponibilidade da máquina do BCE existir para a movimentação que interessa à finança e não para apoiar o investimento de forma directa e ajudar os países a impulsionar esse investimento”.
“Em terceiro, a resolução de problemas de um conjunto de países atrofiados nas suas dívidas”, sustenta Manuel Carvalho da Silva.
“Aliás, desta semana fica uma reflexão sobre esta matéria das dívidas soberanas por parte das Nações Unidas. Há um grupo de países em desenvolvimento, os 77 mais a China, a defender não ser admissível a manutenção desta questão das dívidas dos países – como Portugal – debaixo da inevitabilidade de pagar tudo até ao último tostão”, sublinha o Coordenador do Observatório sobre as Crises e Alternativas.
“Um pagamento de acordo com fundamentalismos e imposições usurárias que nos têm sido impostas. Tudo isto vai ter de ser profundamente reformulado”, sentencia.
Silva Peneda: “Nem o Papa consegue comover a Alemanha”
Silva Peneda amplia as consequências da mordaz resposta de Mario Draghi aos jornalistas na que terá sido a mensagem mais contundente de sempre dirigida pelo italiano a Berlim. “Eu acho que não precisamos de unanimidade”, disse Draghi.
O presidente do Conselho Económico e Social descodifica a frase. “Qual é o pensamento desta Europa e o que quer fazer no contexto mundial? A Europa vive um dilema que tem ver com este teste do sr. Mário Draghi. A Europa tem no seu seio uma potência que se distingue das demais: a Alemanha.”
“O problema é saber se a Alemanha quer liderar a Europa como Europa ou se está apenas preocupada com o seu umbigo. Saber que a sra.Merkel tem possibilidade de convencer internamente o povo alemão do desígnio de liderar a Europa. Não estou nada convencido de que o consiga”. “Todas as declarações vão em sentido contrário. Este teste do sr. Draghi é muito importante. Não tem a ver com política económica tem a ver com o papel da Europa no mundo”, alerta José da Silva Peneda.
A Alemanha vai ceder, mas a tarefa não será fácil, sustenta o presidente do CES. Exemplo: a reacção ao apelo do Papa no Parlamento Europeu para o regresso da Europa às suas origens. Francisco apelou a um projecto construído “não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana e dos valores inalienáveis”.
“Não foi a sra. Merkel a assinar a resposta, mas veio via jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung e foi: ‘A Alemanha está contente consigo própria e rejeita os desafios do Papa Francisco’, faz notar Silva Peneda.
“Significa isto que, para já, nem o Papa Francisco consegue comover e demover – mesmo num plano oficioso – a Alemanha das certezas absolutas na forma como está a conduzir os destinos da Europa”.