Esta é uma proposta de reflexão sobre a relevância das paisagens sonoras na análise da cidade contemporânea. A quarentena imposta pela covid-19 mergulhou as cidades numa inusitada urbanidade marcada pelo "silêncio" das relações das pessoas com esse mundo. Esta "conversa desconfinada" sugere a conveniência de abordagem sociológica das sensibilidades existenciais em que o som, as vozes, e mesmo o ruído urbano assumam um papel central. A ausência do ruído da urbanidade pandémica serve para ilustrar a sensação de vazio que, em muitas cidades do ocidente, as pessoas contrariaram vindo às varandas cantar, bater palmas e acenar ao vizinho. Promoveu-se assim uma disposição para a autocompreensão e a solidariedade. O som converteu-se em sinal de vida, ilustrado tanto pela edição do "Missing Sounds of New York", como pelo comovente relato das pessoas que, tendo sido internadas no Santa Maria em estado crítico, conservam viva a memória dos sons dos equipamentos como sinal da sua ligação à vida.
As ciências devem abandonar a "surdez" em que se deixaram envolver desde os tempos da sociologia de Simmel e tratar também das sonoridades urbanas. A "descolonização do ouvido" que antecipou a descolonização política de muitos países do Sul global tem de ser ensaiada enquanto reforma epistémicas das análises sociológicas que têm desprezado os lados sensíveis da relação humana com o mundo.