Os impactos da pandemia e as respostas que vão sendo avançadas, como o Programa de Estabilização Económica e Social apresentado pelo Governo, obrigam-nos a refletir sobre facetas da realidade anteriormente indizíveis para muita gente. Nunca foi tão evidente a dependência em que nos encontramos como país e a incerteza que dela resulta. A interdependência internacional, quando levada para além do limite, tende a reduzir a capacidade de resposta aos riscos sistémicos por parte dos Estados. Quando todos dependemos de todos, nenhum dos afetados pode beneficiar da sorte dos que permanecem incólumes.
O capitalismo depende sempre de um Estado organizador e financiador de último recurso. Só o Estado tem o poder de reunir recursos financeiros, por emissão de dívida ou financiamento monetário, num quadro de crise de liquidez. Só o Estado pode coordenar a indispensável ação coletiva. Mas, vários condicionalismos e, em particular, os espartilhos e práticas da União Europeia colocam o Estado português, como outros, sem saber com o que pode contar e, portanto, sem saber o que pode fazer. Está prometida uma chuva de euros de que não se sabe, com rigor, qual o montante ou quando e em que condições virá. Por isso, o Programa de Estabilização não vai muito além de um penso rápido. A formulação de estratégias, a organização da resposta nacional, fica para depois. Esperemos que o perito encarregado de pensar a sua conceção base tenha êxito, mas é melhor ir convocando a inteligência coletiva, pois nenhuma outra é mais capaz.
A capacidade do nosso Estado vai-nos surpreendendo. Dependente, comprimido, maltratadas as pessoas que o servem, reduzido ao osso por austeridades sem sentido, esse Estado é o mesmo que tem sido capaz de responder na saúde, na segurança pública, na implementação de medidas de emergência. Fora do Estado, manifestaram-se algumas ausências ruidosas. Na saúde, onde esteve o ‘pujante’ sector privado? No assegurar de liquidez, onde teria estado a banca se não existissem garantias públicas? No emprego, como teriam estado muitas empresas se não fosse a subvenção chamada layoff ?
No conjunto das grandes empresas houve alguns empresários que, com elevado sentido ético, se socorreram dos meios próprios, mas foram poucos. Agora, quando é premente a retoma da atividade, muitos não querem correr riscos, pretendem que o Estado lhes assegure garantia de lucro. Assim, teremos parasitismo mas jamais a retoma, pois esta tem de ser progressiva e com risco.
A capacidade demonstrada pelo Estado - apesar do enfraquecimento provocado pelo austeritarismo e por debilidades vindas da dependência - é o resultado da ação da esmagadora maioria dos trabalhadores que ainda existem na Administração Pública. O caso da saúde é o mais visível. Os aplausos a estes profissionais não devem ser poupados, mas o sentido de responsabilidade, a dedicação ao serviço público, a capacidade técnica e a inteligência encontram-se nos mais diversos departamentos das administrações públicas central e local.
Denunciemos os cínicos que persistem em dizer que o Estado é um animal que deve ser morto à mingua, e que os servidores do Estado são uns privilegiados. Esses mesmos cínicos, que tudo fazem para fugir ao fisco, são lestos a sacar do Estado os euros dos impostos de todos os portugueses.