Em meados da década passada defini como imaginação do centro uma das funções centrais do Estado português após a adesão à União Europeia. Tal função consiste em formular os problemas da sociedade portuguesa como sendo os problemas próprios das sociedades desenvolvidas que connosco partilham a UE. Tendo sido o Estado português o grande protagonista da nossa integração na UE, é também ele o principal sujeito do discurso da imaginação do centro. Este discurso produz um duplo efeito de ocultação. Por um lado, oculta o facto de que a sociedade portuguesa é uma sociedade de desenvolvimento intermédio e que, como tal, tem problemas próprios muito diferentes daqueles que enfrentam países como a Alemanha, a França ou a Suécia. Por outro lado, dada esta realidade, a imaginação do centro é um discurso que não tem tradução adequada na prática real da governação. Daí a discrepância muito acentuada entre o país oficial retratado pela imaginação do centro e o país não oficial que vive na pele a distância entre essa imaginação e a vida real de todos os dias. Ainda muito recentemente vivemos um momento alto do discurso da imaginação do centro. Ocorreu quando a Comissão Europeia confrontou Portugal e a Alemanha com a possibilidade da repreensão do "alerta rápido" ante a derrapagem do défice orçamental. O Governo e a comunicação social forneceram então aos Portugueses a imagem de que estávamos a ter um problema idêntico ao dos Alemães. Do mesmo modo, a "solução feliz" encontrada, a mesma para os dois países, mais contribuiu para inculcar a ideia de estarmos nas mesmas condições que os Alemães. Este discurso ocultou o facto decisivo de que o défice orçamental tem na Alemanha, um dos países mais desenvolvidos da UE, um significado muito diferente daquele que tem no nosso país, um dos países menos desenvolvidos da Europa. Tem causas e consequências distintas e possibilidades de solução igualmente diferentes.
O discurso da imaginação do centro vai certamente continuar a reproduzir-se. Penso, no entanto, que a sua credibilidade tenderá a diminuir nos próximos tempos, quer por razões estruturais, quer por razões conjunturais. Quanto às primeiras, o euro vai ser um decisivo factor de aproximação mercantil entre os países da UE, mais vai ser também um poderoso medidor das distâncias sociais entre eles. Os Portugueses vão poder fazer comparações simples entre preços de bens de consumo e sobretudo entre salários e entre pensões e medir o fosso que separa o seu nível de vida do dos Europeus mais desenvolvidos. Quanto às razões conjunturais, o período eleitoral está a assumir a característica de mudança de ciclo político (mesmo na hipótese de o governo continuar a ser liderado pelo PS). É um tempo propício ao regresso da política sob a forma de crítica aos políticos, o que explica, por exemplo, a proliferação recente de manifestos. A lógica desta política é conferir à imaginação do centro o seu verdadeiro estatuto e, nessa medida, subvertê-la. A imaginação do centro deixa então de ser a invocação de uma experiência (somos um país desenvolvido) para passar a ser a referência a um estado imaginário, uma expectativa que gostaríamos de ver realizada um dia (virmos a ser um país desenvolvido). Nos próximos tempos, a sociedade portuguesa vai debater-se dilematicamente entre a experiência fictícia e a aspiração utópica de uma centralidade que, de uma ou de outra forma, tanto nos pertence como nos escapa.