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27-12-2013        Diário de Notícias

Há uma exigência ética essencial no tempo que estamos a viver: ouvir o clamor dos pobres e devolver-lhes o que lhes cabe. A advertência feita por Francisco, o Papa, na sua Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” (EG) coloca um critério claro na condução dos nossos quotidianos: “assumir a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e deita fora” (EG, 195) como prioridade.

Estar com os últimos, fazer deles a razão de ser das nossas escolhas, impõe coisas difíceis a que a bolsa dos valores deste tempo não dá cotações altas. Impõe, desde logo, pôr em causa o endeusamento da propriedade como limite das possibilidades das políticas. Ao contrário do pensamento que tem norteado o desmantelamento do contrato social na Europa, para o qual o que é da titularidade dos pobres é frágil por natureza e o que é da titularidade dos ricos é sagrado por definição, Francisco coloca a propriedade privada como realidade subordinada ao destino universal dos bens: “a posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e os fortalecer, de modo a servirem melhor o bem comum.” (EG, 189). Estar com os últimos como princípio de vida impõe, em segundo lugar, fazer do reconhecimento dos seus direitos o nosso compromisso maior: “não se trata apenas de garantir a comida ou um decoroso sustento para todos, mas (…) educação, acesso aos cuidados de saúde e especialmente trabalho porque, no trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime e engrandece a dignidade da sua vida.” (EG, 192). Estar com os últimos e tornar a sua dignidade em referência primeira impõe, enfim, desfetichizar o mercado e devolvê-lo à sua função instrumental: “os planos de assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas provisórias.

Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira e atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, na verdade, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais.” (EG, 202); por isso mesmo, “a economia não pode mais recorrer a remédios que são um novo veneno, como quando se pretende aumentar a rentabilidade reduzindo o mercado de trabalho e criando assim novos excluídos” (EG, 204).

Neste tempo em que a pobreza e a saída dela são estigmatizadas como responsabilidades pessoais, estar com os últimos como projeto de vida faz da política o seu campo de materialização privilegiado. Assim entendida, a política é o avesso de uma carreira. A política como serviço aos últimos não se aprende nas universidades de verão das jotas nem dá direito a promoção social. Pelo contrário, a política como serviço à opção pelos últimos só dá dores de cabeça e estraga agendas sociais perfumadas e prestigiantes.

A política que se faz para afirmar a dignidade dos últimos tem um programa e é dele que cuida. Tudo o mais é instrumental relativamente a esta opção fundamental: os partidos e as alianças, as ruturas e as convergências, os governos e a rua, as palavras e os gestos, a lei e os movimentos. O único que lhe está interditado é esquecer-se de que é sempre o clamor dos pobres que lhe dá razão de ser.

 


 
 
pessoas
José Manuel Pureza



 
temas
política    pobreza    papa francisco