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11-03-2011        Expresso Online

"Ora, um excêntrico, na maioria dos casos, é um caso particular e isolado. Não é verdade? (..) Não só um excêntrico "nem sempre" e um caso particular e isolado, mas, pelo contrário, acontece às vezes ser precisamente ele que transporta em si o cerne do comum, enquanto o resto das pessoas da sua época, por qualquer razão, foram arrancadas dele temporariamente, todas elas, por uma rajada de vento qualquer..." Fiódor Dostoiévski, Os irmãos Karamázov

A procissão dos cínicos tem-se afadigado em nos mostrar o absurdo das pretensões que movem o protesto da geração à rasca. Lembram-nos que o tempo dos garantismos acabou. Asseguram que os garantismos do passado semearam a precariedade do presente (esquecem-se que, bem ao contrário, que são as conquistas dos proletários precários das gerações passadas que inspiram a geração jovem do presente). Assumem inevitável que Portugal seja o país mais desigual da Europa. Explicam-nos que em tempos de competitividade global trabalho com segurança e direitos é um sonho anacrónico. Asseguram que a desregulação económica veio para ficar.

Excentricidade, pelos vistos, é achar que nenhuma economia, por muito fluida que seja, pode dispensar trabalhadores. Excentricidade, pelos vistos, é achar que esses trabalhadores têm direito a um projecto de vida que passe pela segurança do trabalho remunerado. Excentricidade, pelos vistos, é achar que os precários deixam de ser descartáveis quando se unirem para perceber que são imprescindíveis. Excentricidade, pelos vistos, é achar que podemos ter uma vida digna enquanto houver no mundo gente demasiado desesperada a ponto de perceber a exploração como dádiva capitalista. Excentricidade, pelos vistos, é achar que o desemprego dos mais velhos, que a exploração do trabalho não qualificado, que as reformas míseras são tão indignos como a vala comum em que caem muitos jovens licenciados. Excentricidade, pelos vistos, é querer mudar um estado de coisas que todos nos dizem inevitável e produto dos insondáveis desígnios do mercado.

Talvez, como diria Dostoiévski, que uma portentosa rajada de vento tenha mudado as coisas do lugar fazendo do bom senso uma excentricidade, talvez que o absurdo esteja no capitalismo especulativo das crises, nas empresas nacionais cujos lucros astronómicos não as impedem de fazer os trabalhadores dos seus call centers viverem em permanente tortura psicológica, talvez que o absurdo esteja no desejo de querer sair de casa dos pais, em ter um filho antes da meia-idade.

Por muito que agiotem o contrário, o "cerne do comum" está na geração à rasca, e quando as coisas estão fora do sítio, dizia o inglês, nada como desejar ter nascido para as pôr no lugar.


 
 
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Bruno Sena Martins