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22-02-2006        Diário Económico
Há um par de meses atrás, por altura da crise do Plano Tecnológico, muitos vaticinavam um futuro pouco auspicioso ao actual governo.

A história é mais ou menos bem conhecida nos seus contornos gerais. Em 1961 a administração de John F. Kennedy decidiu invadir Cuba para acabar com a sublevação Castrista. As tropas americanas desembarcaram na Baía dos Porcos, mas foram rechaçadas pelos guerrilheiros cubanos. Na sequência do incidente surgiu a célebre "crise dos mísseis", o momento em que o mundo mais próximo esteve de um conflito nuclear em larga escala.

Na altura Kennedy estava rodeado de alguns dos melhores cérebros da nação americana. Entre o grupo de conselheiros mais próximos, encontravam-se Robert McNamara, que acumulou cargos como os de presidente da Ford ou do Banco Mundial, e o próprio irmão do Presidente, Bobby Kennedy, que na altura era Procurador Geral dos EUA. Foi este círculo restrito que aconselhou o presidente a tomar a referida decisão.

Sendo estes os contornos gerais da história, os investigadores dos processos de decisão tentaram compreender como é que uma simples decisão, como esta, pode desencadear uma cascata de erros fatídicos. Foi desta investigação que surgiu o conceito de group think (pensamento em grupo), reminiscente de noções como ‘newspeak’ ou ‘doublethink’ introduzidas por George Orwell na sua novela "1984". O referido conceito foi proposto pelo psicólogo Irving Janis, num livro precisamente intitulado ‘Groupthink’, publicado em 1972. Foi esta obra que consagrou a invasão da Baía dos Porcos como um ‘case-study’ clássico das teorias da decisão.

O que tem sido constatado por estudos posteriores, é que os mesmos factores que marcaram este caso, estão sistematicamente a emergir em muitos outros processos de decisão, tanto no interior de governos como no âmbito da tomada de decisões estratégicas por parte de empresas. Esses factores incluem: o assumir-se o mundo como simplesmente composto por "nós" e "eles"; a redução da decisão a um grupo muito restrito e a pressão sobre os membros para eliminar opiniões divergentes. Neste contexto, o temor de se afirmar perspectivas que vão contra o "pensamento dominante" instala-se. Mesmo quando a crise já foi despoletada, as informações transmitidas através das cadeias hierárquicas tendem a ser sistematicamente filtradas, por receio de se expressarem pontos de vista que, embora possivelmente baseados em circunstâncias factuais, desafiam o consenso instalado.

Foi como alternativa a este tipo de sistemas de decisão que surgiram nas décadas mais recentes técnicas que procuram eliminar alguns dos perigos subjacentes ao "pensamento em grupo". A chamada prospectiva estratégica, por exemplo, é um processo de decisão através do qual se ventilam de forma sistemática opiniões divergentes. Neste processo procura-se identificar acontecimentos "escondidos", capazes de lançarem o sistema em análise para trajectórias completamente imprevisíveis e indesejáveis.

A discussão deste ‘case-study’ clássico das teorias da decisão tem como objectivo alertar para o perigo de algo idêntico poder estar a passar-se entre nós.

É sabido que apenas há um par de meses atrás, por altura da crise do Plano Tecnológico, muitos vaticinavam um futuro pouco auspicioso ao actual governo. Entretanto, o anúncio público de algumas decisões e iniciativas de grande porte, alterou nas semanas mais recentes o ‘mood’ dominante. Muitos voltaram a acreditar na possibilidade de existir "luz ao fim do túnel". Pensamos, contudo, ser precipitada tal mudança de percepções.

Sendo sem dúvida positivo o ‘drive’ produtivista da equipa de Sócrates, o que é verdade é que um governo não pode ser louvado apenas por "tomar decisões". Por mais qualificados que sejam os conselheiros – os de Kennedy eram-no e não duvidamos que os de Sócrates também o sejam –, o que se verifica, quando as decisões decorrem em circuito fechado, sem incorporação de perspectivas diversas, é uma enorme probabilidade de muitas dessas decisões saírem completamente erradas.

Na verdade, os exemplos já aí estão. Temos mesmo algumas decisões capazes de afundar um país. O TGV constitui um excelente testemunho desta possibilidade.

 
 
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