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25-09-2005        Diário de Notícias
Em termos locais, os candidatos valem mais que os seus partidos de origem

Munícipes pensam que o candidato até "pode ser aldrabão, mas é simpático e faz qualquer coisa de palpável", enquanto o Governo aumenta os impostos.
O não aperto de mão entre Manuel Maria Carrilho e Carmona Rodrigues, no debate da SIC-Notícias, "apagou" da memória dos espectadores todas as promessas dos dois principais candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. Para a subjectividade do voto, os gestos superam as ideias, concordam o sociólogo Fernando Ruivo e a publicitária Vera Nobre da Costa.
Aplicando este critério da subjectividade na política ao panorama das próximas eleições autárquicas, atitude "que as pessoas se esquecem de acentuar", como adverte Fernando Ruivo, que dirige o Observatório dos Poderes Locais da Universidade Coimbra, percebem-se melhor os fenómenos Fátima Felgueiras (Felgueiras), Avelino Ferreira Torres (Amarante), Valentim Loureiro (Gondomar) e Isaltino Morais (Oeiras).
O populismo, como sintetiza o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, António Costa Pinto, "é a tentativa de ligação directa de um líder carismático à população, à revelia de um programa político, ultrapassando assim as tradicionais clivagens entre direita e esquerda".
Numa altura em que "a acção política aparece sob vestes de populismo, de paternalismo", disserta Fernando Ruivo, "as racionalidades são postas de lado". Os quatro casos mais emblemáticos - pois há dezenas de outros autarcas também sob investigação, como nota Vera Nobre da Costa - "põem em causa a credibilidade e a confiança no sistema político" e "isto leva-nos a questionar como o País real funciona efectivamente", explica o universitário de Coimbra.
antecedentes. O fenómeno não é novo. Antes da lei permitir as candidaturas independentes, por exemplo, Gabriel Albuquerque trocou o emblema do CDS pelo do PPM e ganhou com maioria absoluta em Penalva do Castelo; depois da alteração legislativa, Daniel Campelo venceu em Ponte de Lima com a lista "A Nossa Terra".
"Em termos locais, é a pessoa que conta e tudo o resto é deixado para trás ou deixado na dúvida", reforça Fernando Ruivo. Assim se explica, por exemplo, que Ivo Portela, autarca em Tábua, fosse eleito em listas do PSD e do PS; que Fernando Moura tenha sido presidente de Mondim de Basto pelo CDS e pelo PSD; que Ana Ribeiro mereça a confiança dos eleitores de Salvaterra de Magos com o emblema PCP/PEV ou com o do BE. Da mesma forma, é frequente suceder no País aquilo de que Luís Filipe Menezes se gaba de ter conseguido em Vila Nova de Gaia obteve uma percentagem claramente superior ao valor do PSD.
A força das figuras locais não é, porém, de um fenómeno português, em que, apesar das escolhas legislativas dependerem apenas "de uma pequena parte do eleitorado que muda o sentido de voto, pois a grande maioria é estável", como afirma o politólogo António Costa Pinto, os partidos "são mais fracos do que se pode pensar". E, nestas autárquicas, acrescenta, "vamos testar até que ponto a fidelidade pessoal é mais importante do que a clivagem ideológica".
identidades. Espécie de Evita lusitana num país sebastiânico, o caso de Fátima Felgueiras é considerado como ultra paradigmático na identificação do candidato com o seu eleitorado. Afinal, acentua Fernando Ruivo, "até se chama Felgueiras", pois recebeu no baptismo o nome do município.
A relação de "credibilidade e confiança" assenta muito, de acordo com o professor de Coimbra, na forma como os candidatos "se introduziram na identidade local". Normalmente, antes da eleição, já se tornaram notados nos bombeiros voluntários ou nos clubes desportivos, nas associações culturais ou nas misericórdias locais. Depois de eleitos, então "multiplicam-se os seus cargos de honra", conforme revela o seu inquérito, que originou o livro, publicado em 2000, O Estado Labiríntico o Poder Relacional entre os Poderes Central e Local em Portugal (Afrontamento).
Mesmo no caso de "pára-quedistas" com sucesso, como foi o caso da vitória de Pedro Santana Lopes na Figueira da Foz, um concelho tradicionalmente socialista, apesar de não o ter invocado durante a campanha, o ex-PM acabaria depois por lembrar as suas raízes beirãs, de forma a ganhar também uma "territorialização".
Noutras democracias, como a norte-americana ou a britânica, compara António Costa Pinto, a nível local, "os candidatos são mais importantes que os partidos" e, caso concorressem nesses países, os quatro nomes que estão a suscitar polémica em Portugal teriam até a vida mais facilitada.
rouba, mas faz. Há, contudo, a questão da Justiça, que tem levado alguns analistas a responsabilizar os eleitores se escolherem para seus autarcas candidatos suspeitos, indiciados ou acusados por crimes como peculato, corrupção, abuso de poder ou fraude fiscal (por todos, veja-se o que tem vindo a afirmar Pacheco Pereira).
Fernando Ruivo sustenta que "a dimensão pessoal do candidato sobrepõe-se às dúvidas sobre a legalidade" dos seus actos. António Costa Pinto considera que os portugueses são sensíveis ao facto de alguém afrontar a Justiça, o que se reflecte nos "indicadores de popularidade". O problema é que o "capital simbólico" destes candidatos é tão elevado que essa eventual quebra não afecta a sua eleição.
A publicitária Vera Nobre da Costa nota que "a corrupção nos partidos é menos perdoada que a corrupção pessoal". Os munícipes, que se cruzam facilmente com os autarcas na rua e só vêem os ministros em campanha ou na televisão, têm tendência a pensar que o candidato "pode ser aldrabão, mas é simpático e faz qualquer coisa de palpável, seja a pavimentação de uma estrada ou a passagem de uma licença de construção - enquanto o Governo, na perspectiva dos cidadãos, aumenta os impostos e altera a idade das reformas".
E lembram o slogan brasileiro colado ao ex-governador de São Paulo (acabaria na prisão), Paulo Maluf - recuperado de um outro populista do mesmo Estado, que tanto jogou com a esquerda radical como com a direita conservadora, entre as décadas de 40 e de 60, chamado Adhemar de Barros -, que tinha uma mensagem singela "rouba, mas faz".
Não será também por acaso que o líder da Concelhia do PS de Felgueiras, que está em ruptura com a lista do seu partido, quando apareceu em frente do tribunal onde se aguardava pela chegada da ex-autarca vinda do Brasil, lembrou que os seus eventuais delitos não eram comparáveis aos de Jesús Gil Y Gil (o antigo presidente do clube de futebol Atlético de Madrid, que foi alcaide de Marbella) ou de Silvio Berlusconi (o empresário de comunicação social que criou o movimento Força Itália e chegou a primeiro-ministro) e, no entanto, ambos concorreram a eleições.
Neste registo em que "a racionalidade está arredada", conforme frisa Fernando Ruivo, "há uma descrença nas instituições", como nota Vera Nobre da Costa, e as emoções servidas pelas televisões se substituem à abstracção das ideias, os eleitores optam mais facilmente por aqueles que os "cumprimentam pelo nome, lhes perguntam pelos familiares e dão a aparência de fazer coisas concretas para o seu dia a dia", explica a publicitária. E foi essa postura do apertar a mão, conclui o universitário, que Manuel Maria Carrilho, mesmo sem saber que estaria a ser filmado, pôs em causa.

 
 
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