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22-01-2017        Jornal de Notícias

Ainda não consegui descortinar razões profundas que tenham justificado o imbróglio criado por Governo, Confederações Patronais e UGT, ao assumirem a descida da TSU como “moeda de troca” para a atualização do Salário Mínimo Nacional (SMN) no valor que o Governo já havia determinado, no pleno exercício das suas responsabilidades e no cumprimento de compromissos estabelecidos com a base parlamentar que o apoia.

O Governo sabe que: i) essa redução tem implicações diretas no Orçamento da Segurança Social; ii) choca, no plano concetual e simbólico, com fundamentos do nosso sistema de Segurança Social; iii) é indutora de práticas patronais que favorecem políticas de baixos salários. Talvez por tais razões essa medida não constava no programa do Governo.

Da parte das Confederações Patronais a aposta nesta opção é muito questionável. Para a esmagadora maioria das empresas portuguesas, que são pequenas e médias, há muitas outras matérias de maior impacto que deviam e devem ser consideradas, nomeadamente as taxas e as formas de execução do IVA, o pagamento especial por conta, a agilização de “custos de contexto” específicos e a possibilidade de mais fácil recurso a créditos.

Um acordo sobre o SMN é importante e há pressões sobre o Governo vindas da UE, do FMI e da OCDE. Contudo, essa cedência tem dois graves problemas: significa, em primeiro lugar, subjugação a poderes externos que teimam em atacar o primado da Constituição da República e o exercício pleno do poder por parte dos órgãos de soberania; em segundo, é uma opção contra um modelo de desenvolvimento que não se sustente em baixos salários que dê combate às desigualdades e não acentue pressões negativas sobre a Segurança Social.

Ao constatar-se que a descida da TSU será recusada por maioria parlamentar, levantou-se um coro de “analistas políticos” a clamar contra a Assembleia da República por estar “a pôr em causa um importante compromisso da Concertação Social”. António Vitorino, advogado e conhecido “fazedor” de leis, homem com grande experiência política, teve o desplante de interrogar: “Que confiança podem ter os parceiros sociais, se constatam que o Parlamento os pode desautorizar pela formação de uma maioria contrária?”. Então, o que é a Concertação Social? E o Parlamento é ou não o órgão de soberania cujos membros são eleitos pelo povo e a quem está atribuída, até à última instância, a função legislativa?

Muitos destes fazedores de opinião sabem bem (outros não), quer do ponto de vista político-jurídico quer das práticas, o que é o corporativismo e o neocorporativismo, as suas virtudes e defeitos no quadro das democracias liberais em que vivemos. Conhecem os processos, por vezes questionáveis, de legitimação dos parceiros sociais, bem como a difícil separação entre concertação económica e concertação social e, ainda, os efetivos riscos de conflito entre o neocorporativismo e os princípios do Estado Democrático que, no caso português são agravados, como o provam múltiplos autores de várias e áreas do conhecimento[1].

Já em 1998[2], Vital Moreira identificava várias entorses a gerar conflito, designadamente a não aferição de representatividades efetivas, o facto de um “acordo de concertação social, mesmo que sem consenso de todas as partes, poder impor-se a todas” e a entrada de “programas de ação legislativa, mesmo em áreas de reserva de competência legislativa parlamentar”. Além disso, a Concertação Social está estruturada e funciona na lógica do velho “arco da governação” e os governos, atualmente, fazem muitas vezes transposição quase direta das propostas de políticas neoliberais europeias para dentro da CPCS.

Entretanto, o mais desconcertante nesta polémica sobre a Concertação Social é o surgimento em cena, não só de abutres da Direita, mas também de passarocos de mau agoiro como Francisco Assis, que esconjuram caminhos alternativos e veem em pequenas feridas a morte dos compromissos que suportam um governo e uma maioria parlamentar portadores de oxigénio e esperança para a vida dos portugueses. Não se precipitem!



[1] Consultar Caderno # 9 do Observatório sobre Crises e Alternativas, disponível em: http://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/.

[2] Idem.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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