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27-03-2016        Jornal de Notícias

Os brutais e trágicos atentados terroristas, em Bruxelas, na passada terça-feira, propagaram mais uma enorme onda de insegurança e medo, em particular sobre os povos europeus. É natural as pessoas sentirem medo perante situações de terror, mas é também necessário um esforço de observação e perceção dos problemas, dos desafios e capacidades de que a sociedade dispõe, para não ficarmos tolhidos.

Este ato segue-se a outros que já nos assustaram, praticados por uma “estirpe” de terrorismo que, à luz de princípios e valores que consideramos universais, se configura de demência. O que dá origem a esta demência? Que outras irracionalidades se vêm disseminando, bloqueando-nos nas respostas e desarmando o tal quadro de valores que justamente nos leva a considerar estes atentados como loucura?

Pertenço a uma geração que tem fortes razões para ser otimista quanto ao futuro. Basta-me um pequeno exercício de memória para constatar um enorme avanço civilizacional entre as condições e as capacidades de que as pessoas dispunham para organizarem e usufruírem da vida quando eu era criança e jovem, e aquelas de que hoje, em geral, dispõem. Contudo, ao longo da história houve povos que conseguiram extraordinários avanços civilizacionais que irracionalmente desaguaram em brutalidades e na travagem do desenvolvimento humano.

Observam-se hoje demasiadas turbulências no caldeirão em que se movem e estruturam as relações humanas e sociais. Todos os dias sabemos de indivíduos ou grupos de indivíduos que humilham outros com práticas que pensávamos ultrapassadas por se terem confirmado violentas, iníquas e irracionais. Nas relações entre Estados impera, muitas vezes, a negação do princípio democrático da relação entre iguais: os que têm poder acham-se no direito de instabilizar outros a favor dos seus interesses.

O combate ao terrorismo tem dimensões e expressões específicas, mas tem de ser feito numa sociedade concreta. Dizem-nos, e com razão, que é um combate de todos a exigir organização e ação coordenada e coerente, capaz de gerar autoridade e eficácia. Então, porque não há uma atuação efetivamente articulada entre os países da União Europeia em todas as áreas e políticas sensíveis?

Como é possível travar e desarmar o terrorismo, se continuam ignorados os efeitos do “pontapé no vespeiro” dado com as invasões do Iraque, da Líbia e de outros países; se Schengen está à beira do colapso; se está em marcha uma resposta indecorosa e injusta ao problema dos refugiados, em que o “acordo” com a Turquia está a dar novos impulsos a movimentos xenófobos e a perigosos nacionalismos que jogam forte na exploração de dicotomias e de ódios conducentes a ruturas entre países e povos, e à guerra? Dirigentes políticos da extrema-direita andam entusiasmados, e até aparecem com ar de estadistas, porque acham que os povos europeus (ou alguns deles) já têm o inimigo melhor identificado.

Sentimos falta de segurança, sem dúvida! Mas todos os dias este sistema capitalista universalizado e o neoliberalismo que o marca nos criam mais riscos, nos agitam com mais inevitabilidades que aprisionam. Por exemplo, o trabalho tem um lugar central na sociedade, influencia-a de forma total: então como é possível querer-se uma sociedade mais segura quando se está constantemente a aumentar instabilidades no trabalho e no emprego? Cada ser humano é um só corpo, com uma só vida e a sociedade é um todo.

A forma como está organizado o sistema financeiro, cheio de canais obscuros e de formas perversas de circulação do dinheiro, facilita processos que alimentam e organizam o terrorismo. Porquê os poderes públicos se empenham tanto em controlar as pessoas e não se empenham nada em controlar fontes de financiamento, de armamento e de outras das logísticas do terrorismo? O dinheiro circula bem mais pelas redes digitais que as pessoas, logo será bem mais fácil o seu controle.

O terrorismo é uma brutalidade a combater! Entretanto, nesta Nova Era que está em ebulição – onde a interculturalidade tem de marcar forte presença – há que reacertar interpretações sobre o que podem ser, de verdade, direitos, deveres e valores a que possamos chamar de universais.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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