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14-06-2025        Jornal de Notícias

Em Lagos, no Dia de Portugal, Lídia Jorge exortou-nos a refletir sobre a portugalidade de um modo profundo e belo. Foi uma reflexão premente que nos desafia a um intenso trabalho de formiguinha, pois os problemas sociais e políticos complexos, como são os que vivemos, têm um emaranhado de causas e consequências.

Alguém respeitado – de fora do jogo político do dia a dia, mas obreira no exercício da cidadania, da política e da democracia – teve a lucidez e a coragem de assumir a posição cívica que se impõe perante os desmandos crescentes dos extremistas, a quem todos os dias é estendida a passadeira para o espaço público, onde manipulam, mentem e semeiam ódio.

A portugalidade é feita de emigração e de imigração, de miscigenação, de feitos heroicos e atos lamentáveis. O povo que somos é o resultado histórico de uma pátria aberta ao Mundo. A ideia de um grupo de lusitanos mantido puro num espaço por onde passaram e onde se mantiveram, em alguns casos por séculos, uma imensidão de povos e culturas é um embuste, uma mentira que o fascismo cultivou. Por aqui passaram e se fixaram outros povos ibéricos, celtas, fenícios, romanos, berberes e árabes, suevos e visigodos, africanos de várias origens e judeus.

Lídia Jorge tocou-me profundamente. Fiz grande parte do serviço militar obrigatório (no total 40 meses) na guerra colonial em Angola. Aos 21 anos senti, de chofre, o engano em que o fascismo nos procurava conduzir e comecei a percecionar a maior das divisões que uma sociedade pode sentir: ter uma governação prenhe de “verdades” contra o seu povo. Felizmente, os militares de Abril souberam interpretar bem essa dura realidade.

O colonialismo tinha percurso longo com marcas profundas. A esmagadora maioria dos portugueses que estruturaram as suas vidas nas colónias eram cidadãos cumpridores, solidários e trabalhadores, mas vivendo num regime colonial, onde a igualdade real era uma miragem. Felizmente, apesar das enormes perdas, materiais e outras, sofridas pelas centenas de milhares que tiveram de regressar a Portugal, houve capacidade deles próprios e de toda a sociedade, para uma boa integração na vida coletiva do país.

No mesmo dia em que Lídia Jorge nos deu uma grande lição de consciência cívica, alguns tresloucados fascistas insultaram um líder religioso que celebrava uma cerimónia ecuménica. Outros agrediram barbaramente um ator, branco, que comete o “crime” de nos oferecer cultura. Portugal não é dos cristãos, nem dos muçulmanos, nem dos agnósticos ou dos ateus. É de todos eles, de todos nós. O nosso passado é comum e o nosso futuro só pode ser conjunto. Lamentavelmente, um candidato presidencial titubeou perante os ataques à democracia. E o primeiro-ministro ficou longe de uma resposta à gravidade dos factos.

Lídia Jorge falou por nós e deu um sinal para um despertar cívico que é urgente acontecer. Tenho-o defendido aqui. O Portugal de todos merece-o.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
cidadania    portugalidade    democracia