Faz falta um horizonte de esperança que tome aquilo que se pode construir para todos, o bem comum, como grande objetivo. A tarefa é possível. Em primeiro lugar, há que travar a tentativa, já desencadeada por forças políticas vencedoras nas eleições do passado domingo, que visa transformar uma vitória eleitoral conjuntural numa mudança estrutural de regime. Os ventos dominantes na Europa e no Ocidente, e alguns dos resultados da globalização, favorecem este desiderato.
Há poderes fátuos de enorme dimensão, que seduziram o poder político nas últimas décadas. Os governos aplaudiram o endeusamento do lucro, o individualismo contra valores gregários, o falso mérito, o deslaçamento da sociedade, a deslegitimação da ação coletiva, golpeando a democracia. Desconsideraram as mudanças demográficas e maltrataram os imigrantes e as migrações, aprofundando políticas de baixos salários e gerando novos bloqueios à Escola Pública, ao SNS, ao acesso à habitação.
O não controlo das redes sociais e da utilização de instrumentos vindos de novas tecnologias, praticado em nome de falsos determinismos, possibilitou que as primeiras sejam, em parte, um espaço promotor de negacionismo e do fascismo, e as segundas um instrumento de aumento da exploração de milhões e milhões de trabalhadores. A luta em torno de todos aqueles e estes temas não pode parar, um dia que seja.
As ditaduras entram de mansinho, também por via eleitoral, mas só se sai delas com muito sofrimento. O liberalismo económico e financeiro não tem qualquer rebuço em ajudar a gerar ditaduras, desde que sejam favoráveis aos seus negócios. Pelo menos até que o monstro os comece a engolir.
Perante o novo quadro político, as forças de Esquerda não podem entrar em choradeiras de autoflagelação, que os grandes meios de comunicação promoverão até à exaustão. Também não podem fixar-se em posições de antifascismo “simplificado” baseado na convergência de denominadores comuns mínimos. Têm de se recompor deitando mão dos seus princípios fundacionais e não de determinismos comunicacionais ou económico-financeiros. E trabalhar com paciência verdadeiros programas alternativos.
A capacidade de auscultar as pessoas e com elas partilhar interpretações e anseios precisa de ser melhorada. Todos os instrumentos de comunicação devem ser utilizados – com valores –, contudo o essencial dessa ação terá de ser feito com relações humanas muito diretas, ouvindo o que se gosta e o que não se gosta, num processo moroso.
Se respeitasse o regime democrático, a extrema-direita e parte da Direita jamais teriam propostas para a resolução dos problemas reais com que as pessoas se deparam. Alterado o regime, as suas propostas continuariam a não resolver os problemas da esmagadora maioria dos trabalhadores e do povo, mas estes já não disporiam de instrumentos eficazes para reagir.
O que José Afonso identificou como fazendo falta está muito atual.