Recordo-me de aquando do início dos trabalhos da Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização, criada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002, Juan Somavia, na altura seu diretor- -geral, ter afirmado (cito de memória): “estamos no limiar de uma nova era. Isso carateriza-se por muitas das instituições que nos trouxeram até aqui já não conseguirem cumprir o seu papel, e os poderes fátuos de hoje ainda não serem responsabilizáveis”.
Essa nova era já avançou muito. As insuficiências, o descrédito e até a falência de muitas instituições, globais ou nacionais, são evidentes. Os poderes que as minaram (des)governam-nos, impondo a lei da selva ao serviço do negócio: subordinando-lhe mesmo as vidas humanas. Faz-se a exaltação da guerra em múltiplas expressões, refinando-se a desinformação sobre as suas causas e impactos. Em vez da busca da verdade temos chafurdice com notícias manipuladas ou mentirosas. E substitui-se a observação dos factos pelas chamadas perceções.
O trumpismo bloqueia instituições mundiais, quando era necessário reformá-las e revitalizá-las para as tornar menos ocidentais, mais democráticas e globais. Nos Estados Unidos da América são desarmadas instituições em catadupa, numa lógica fascista de cilindrar antes que haja espaço à reflexão e à ação. A porta para o ataque estava escancarada pelas frustrações das pessoas a quem as instituições (em particular os governos), deixaram de responder. A ausência de atenção aos cidadãos também é patente nas práticas de governação europeias e nacionais. Está aí, na frente dos nossos olhos, no dia a dia.
Segundo dados recolhidos nos inquéritos da responsabilidade da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), no quinquénio 2020/2024 registaram-se no país 695 acidentes de trabalho mortais e 2995 acidentes de trabalho graves (números que pecam por defeito). São dimensões chocantes que nenhuma teorização balofa sobre artifícios da inteligência e avanços do conhecimento resolverá. São fruto do incumprimento de regras de segurança e de falta de formação; de insuficientes meios humanos e outros atribuídos à ACT; e de sermos um país onde a vida vale menos no trabalho que fora dele. As instituições e os governos sabem disto, mas não agem.
Esta semana o Tribunal da Relação de Lisboa considerou prescrito o processo relativo a um “cartel da banca” que manipulou spreads entre 2002 e 2013. O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) havia condenado os infratores a pagarem 225 milhões de euros. As provas são muito evidentes, mas a Autoridade da Concorrência gastou sete anos a investigar, a que se somou o tempo de retenção no TCRS. Não pode ser.
Não deixemos que as instituições sejam cilindradas a favor de vazios. É necessário responsabilizá-las pelas funções que lhes estão atribuídas. E lutarmos para que outras, novas ou antigas reformuladas, mais democráticas e eficazes, se afirmem e consolidem.