O Natal da nossa cultura desafia-nos ao convívio, à partilha, e a sermos mais humanos. Isso é bom. Melhor ainda se as nossas condições de trabalho e de vida forem dignas e propiciadoras de realização pessoal e familiar.
Quando não existia subsídio de Natal (14.o mês), o trabalho não era reconhecido como direito universal e não havia verdadeiros contratos de trabalho. As entidades patronais utilizavam este período para mostrarem espírito colaborativo e generosidade. O Estatuto do Trabalho Nacional criado por Salazar (inspirado no código fascista de Mussolini) através do decreto-lei 23:48 de 23 de setembro de 1933, estabelecia que “O trabalhador, intelectual ou manual, é colaborador nato da empresa onde exerce a sua atividade”.
Na minha infância, nas vésperas do Natal, via passar de porta em porta grupos de pescadores miseráveis e os pobres da minha aldeia pedindo coisas para a sua ceia de Natal. A meio do dia 24, grande parte das “criadas” e “criados de servir” eram dispensados do trabalho para passarem o Natal com as suas famílias. Estas pessoas estavam 24 horas por dia à disponibilidade do patrão sem qualquer contrato de trabalho. Eram colaboradores, quando deviam ser trabalhadores.
Numa empresa ou organismo público tem de existir cooperação entre os trabalhadores que aí laboram e compromissos, com força de lei, negociados por patrões e trabalhadores (coletivo) que estabelecem direitos e deveres de cada um na relação de trabalho, para cooperarem. Chamar colaboradores aos trabalhadores visa esconder assimetrias que existem nas relações de trabalho e nega a essência de todas as instituições do trabalho: Código de Trabalho, Autoridade para as Condições de Trabalho, Negociação Coletiva, Sistemas de Relações de Trabalho, enquadramento jurídico e Constitucional do Trabalho, OIT.
Em nenhuma delas está o conceito colaborador.
As transições contemporâneas (digital, energética e demográfica) não vieram acabar com as assimetrias. São crescentes os desequilíbrios em desfavor dos trabalhadores. E não serão corrigidos pelo poder unilateral da entidade patronal.
Neste Natal vemos que está a aumentar o número de pessoas que, embora trabalhando, são pobres. Cresce o número de portugueses e imigrantes sem abrigo que têm emprego. Os que estão a cair no desemprego, em resultado da crise industrial, não recebem novas compensações por até à véspera serem tratados por colaboradores. Chamar aos trabalhadores colaboradores não melhorou os salários que se praticam em Portugal.
Precisamos de trabalhadores com noção do que é e exige uma profissão: preparação, vocação, compromisso, atitude que ofereça sempre algo criativo. A quarta consulta mais procurada no Google é como ganhar dinheiro rápido. Há “colaborações” prenhes de poder e vazias de pudor e ética, que enriquecem. O trabalho precisa de ser valorizado e digno, para permitir o conforto pessoal e familiar que os trabalhadores merecem.