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25-06-2024        A Tarde [BR]

Duas instituições-chave na divulgação da literatura universal a partir da regionalidade. A primeira é a Fundação Casa de Jorge Amado, criada em 1986, no Largo do Pelourinho em Salvador. A segunda, concebida em 2007, refere-se a Fundação José Saramago, na Casa dos Bicos (Lisboa).

A alusão é aos escritores Jorge Amado e José Saramago. Amigos de longa data, graças a intervenção excelsa de Paloma Amado e Pilar Del Río, curadoras dos respectivos  acervos, agora temos acesso às epístolas trocadas entre estes baluartes da língua portuguesa.

“Com o mar por meio: uma amizade em cartas” (Cia. das Letras, 2017)  é um manancial inesgotável de reflexões críticas do grapiúna e do ribatejano sobre a História de exploração, exclusão econômica e não reconhecimento social das distintas gentes.

Por exemplo, maio de 1993, Jorge ao anunciar sua excursão européia para o bardo de Azinhaga, destila com sutileza sentimentos de impotência frente a arrogância daqueles que se albergam nas asas do poder: “Aqui o sufoco é grande, problemas imensos, atraso político inacreditável, a vida do povo dá pena (...) Que eu posso fazer por minha terra? Nada. Porque a pátria, Brasil, Portugal, é só de alguns, nunca de todos, e os poucos servem os donos dela crendo que a servem a ela” (p. 17). O que José prontamente contesta, no espírito quixotesco desta irmandade, “a inquietação é muita, mas a esperança é maior (...) Se o espírito serve para alguma coisa, asseguramos-te que o nosso está em usar de toda a força para te ajudar, em união com infinitos amigos e leitores”.

O encontro, que deveria ocorrer em Lisboa, foi impedido pela angústia do coração. Jorge sofrera um enfarte e não pôde viajar. Enquanto convalescia, às cartas assomaram teor emancipatório. O prêmio da União Latina, em Roma, alimentava a expectativa para atenuar a separação atlântica. Assim, José sentencia a utopia revolucionária: “Penso que o mal dos povos, o mal de todos nós, é só aparecermos à luz do dia do carnaval. Talvez a solução se encontrasse numa boa e irremovível palavra de ordem: povo que desceu à rua, da rua não sai mais” (p. 21).

A amizade, construída em defesa das culturas em português, levou-os a firmarem um pacto. Se um deles fosse contemplado com o Nobel, o outro seria convidado à cerimônia de entrega. Para José, “o Nobel deveria ser atribuído em conjunto, a ti e a mim, metade para cada um. Não haveria solução melhor” (p. 65).
Infelizmente, quando José recebeu o prêmio em 1998, Jorge não pôde cumprir com a promessa. A repercussão, entretanto, garantia o alcance internacional de suas convicções e sentido de humanidade para, se não salvar as duas pátrias, pelo menos disseminar o melhor destas línguas de valor inestimável.


 
 
pessoas
Antonio Carlos Silva



 
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