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23-03-2024        Jornal de Notícias

Os resultados das eleições legislativas evidenciam-nos uma delicada realidade: instalou-se no nosso sistema político um agente organizado que congrega o fundamental do saudosismo do regime fascista e dos valores retrógrados a ele associados. Os saudosistas não tinham desaparecido da sociedade, mas nunca estiveram assim instalados no sistema político, e ganharam novos apoios. Há pessoas, inclusive jovens, que assumiram identidades que não desaparecerão com diálogos superficiais. Exigem debates difíceis.

O sindicalismo é um dos opositores mais eficazes à exploração que o fascismo faz de descontentamentos, do ressentimento, do egoísmo, do ódio, da contínua divisão entre “pessoas de bem”, “malandros” e “fracassados”, da negação das liberdades e de direitos sociais e laborais. E podemos ter uma certeza: muitas das respostas do Governo da Aliança Democrática (AD) para “cumprir” promessas feitas vão surgir carregadas de dicotomias, de contradições, de negação de princípios de solidariedade e universalismo.

Em muitos contextos idênticos ao que estamos a viver, o movimento sindical foi espaço de construção de esperança. O lugar e o valor do trabalho na sociedade não dispensam a existência de sindicatos: eles não vão desaparecer. Mas correm o risco, como noutros períodos, de não serem muito relevantes. Impõem-se-lhes, assim, leituras rigorosas sobre a construção de agendas próprias ofensivas. Não é tempo de sujeição a taticismo vindo de forças políticas, nem de práticas taticistas internas.

O Chega reforçou-se num quadro de aceleração e transversalidade das dinâmicas neoliberais em toda a sociedade. Estas negam os ganhos obtidos através de compromissos coletivos na melhoria das condições dos trabalhadores e da evolução da sociedade. Aquela força política já estava no Parlamento, todavia era encarada, ainda, como expressão pontual de um fenómeno de grande dimensão europeia e mundial, não sendo claro se viria ou não a consolidar-se. E não faltaram democratas a secundarizarem o perigo iminente.

A sua representação parlamentar é agora de grande dimensão. Vai agir ardilosamente perante um Governo duplamente minoritário, mas determinado a executar o seu programa, que em muitas matérias aprofunda o neoliberalismo e vai na direção de políticas reclamadas pela extrema-direita. Esta vai beneficiar do exercício taticista da AD, a tentar atravessar o rio colocando o peso nas pedrinhas que mais sustentação lhe prometerem. Ora, a extrema-direita não tem qualquer pejo em mudar de posição oportunisticamente. Jamais respeitará princípios democráticos e valores de ordem ética.

É falsa a tese de que o Chega “pelo menos colocou em evidência grandes problemas com que os portugueses se debatem”. Todos os problemas nos setores da saúde, educação, ensino, justiça, habitação, demografia ou dos negócios promíscuos entre público e privado estão há muito levantados por sindicatos e partidos políticos. O Chega limita-se a despejar os problemas na rua envoltos em montanhas de lixo.

A extraordinária experiência de organização de agenda sindical, de articulação entre as agendas social e política (indispensável), de efetivo sindicalismo de massas, mesmo sem liberdades, de trabalho unitário e capacidade de diálogo presentes no sindicalismo que no início dos anos setenta fez nascer e afirmar a Intersindical (hoje CGTP-Intersindical Nacional), merece estudo sério e aplicação empenhada, no novo contexto.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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