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01-04-2023        Jornal de Notícias

O processo de precarização do trabalho que temos vivido vai-se acentuando perigosamente. Gerações de jovens vêm sendo arrastados para a condição de trabalhadores precários e de seres humanos despidos de muitos direitos.

Para justificar este processo invoca-se que o emprego agora é volátil; produzem-se cenários catastrofistas sobre o efeito da utilização do conhecimento científico e tecnológico, colocando o enfoque na destruição de emprego e de profissões e, quase nunca, no seu potencial criativo; o aumento da esperança de vida é apresentado como um fardo que bloqueia os horizontes aos jovens; prega-se a pretensa supremacia do individualismo sobre o valor do coletivo e do bem comum.

A inculcação destas trapaças é acompanhada da propaganda de cenários cor-de-rosa, que escondem a crescente proletarização, mesmo de jovens trabalhadores de atividades e profissões qualificadas e muito qualificadas. Diz-se repetidamente que a juventude de hoje é "a geração mais preparada de sempre", que são mais "empreendedores" que nunca, que o mercado está atento ao seu "talento", que o que é bom é sair da "zona de conforto", esquecer laços familiares e relações sociais. É-lhes impingida a ideia de que trabalhar com direitos e deveres devidamente estabelecidos é uma velharia, pois bastar-lhes-á serem "bons colaboradores", a quem pretensamente será dada toda a autonomia e "liberdade".


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O que lhes é dado como contrapartida? O caminhar da vida prova, dolorosamente, que as fases iniciais de grandes sacrifícios, apresentadas como mera passagem para futuros risonhos, se eternizam. Os sonhos de conquista de alguma segurança, de poderem ser criativos e livres das "grilhetas de contratos de trabalho", de terem rendimentos para uma vida autónoma, de conseguir acesso a habitação ou a formar família vão-se esfumando.

Quando, umas décadas atrás, se iniciou o arrastamento para o atual processo de precarização, ainda não eram necessários aqueles floreados linguísticos. A precariedade começou por ser imposta aos jovens de atividades e profissões de baixa qualificação. Era justificada por as pessoas não terem estudado nem se terem qualificado, e por terem o "azar" de se ocuparem em atividades domésticas, em serviços de abastecimento, de limpeza e segurança, em trabalhos na construção civil, na agricultura ou até grande parte dos trabalhos nas linhas de produção da indústria. Estes setores vêm sendo apresentados, falsamente, como atividades sem valor.

O processo foi-se alargando e, num ápice, profissões qualificadas e muito qualificadas, que no início se imaginavam a salvo deste mecanismo de exploração, foram sendo proletarizadas e colocadas em condições de serem precarizadas. Professores, médicos, enfermeiros, investigadores, artistas de vários ramos, jornalistas, advogados ou arquitetos, todos viram as suas profissões e os seus salários desvalorizados e até os seus códigos deontológicos mandados para o lixo. Rapidamente se instalaram empresas tipo "praças de jorna" que colocam jovens com estas profissões a trabalhar ao mês, à semana, ao dia, à tarefa, a troco de baixas remunerações e com vínculos precários.

Muitos têm de trabalhar em vários "empregos" no mesmo dia para formarem um rendimento minimamente digno. Em nome de falsas modernidades, a morfologia da organização laboral assenta cada vez mais em proletarização alargada. E evaporam-se classes médias.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
economia    trabalho    proletariado    precariedade