Em 2015, a catedral de Colónia, uma das catedrais mais representativas e proeminentes na Europa, tomou uma decisão para assinalar a sua recusa da intolerância extrema simbolizada, à época, pelo movimento Pegida (Plataforma contra a islamização da Europa), que daria origem à AfD, o partido de extrema-direita em ascensão na Alemanha. A decisão foi simples: apagar as luzes que, durante a noite, iluminavam esplendorosamente a catedral. A diocese católica de Colónia aderia, assim, ao movimento cujo mote era: “Sem luz para o racismo”.
O distanciamento das Igrejas Católica e Luterana da Alemanha diante destes movimentos que, desgraçadamente, cresceram e continuam a crescer no país e na Europa, é irrefutável: assim o comprova o facto de haver padres católicos e pastores luteranos a começarem a ser perseguidos pela AfD. O argumento utilizado é que “os padrecos não têm nada que se meter em política” – um desvirtuamento e uma descontextualização de uma frase de Lutero, que, como é óbvio, a disse no contexto da sua crítica ao fausto da Igreja Católica do seu tempo – um dos aspetos centrais da sua mensagem.
É igualmente sabido que há cristãos na Alemanha (e não só – também cristãos portugueses) voluntários no salvamento e acolhimento a refugiados, procurando, no mínimo, fazer tudo para que eles não se afoguem ao largo do Mar Mediterrâneo. Não estão sós: o Evangelho de Mateus, no seu capítulo 25, é claro quanto à ligação entre a compaixão ativa (diferente da “caridadezinha”) e a fé, entre o rosto de quem sofre e o rosto de Jesus Cristo. “Cada vez que o fizeste a um dos teus irmãos, foi a Mim que o fizeste.”
Os católicos que tomam posição perante os atropelos aos direitos humanos, entre os quais se encontram formas de discriminação inaceitáveis, a desumanização do outro, o racismo, ou – contraditoriamente – a invocação do cristianismo para excluir aqueles que vêm precisamente de lugares de expansão do cristianismo no seu início – contam também com o apoio, com a inspiração de um Papa. Um Papa incómodo, porque, entre outras coisas, toca na ferida da exploração de seres humanos em nome de um sistema económico que, como ele já afirmou várias vezes, é um sistema que mata.
Francisco é incómodo, porque vai a Lampedusa e pergunta por que motivo não choramos com o drama dos refugiados, vai ao México e afirma que os cristãos não constroem muros, entra na catedral de S. Pedro acompanhado de chefes índios da Amazónia, pára (contra o estabelecido no protocolo da visita) junto ao muro (mais alto que o de Berlim) que separa os palestinianos dos israelitas e encosta a sua mão contra a parede da discórdia. É um agitador. Sabe-se que é amado por muitos (incluindo por não-crentes) e odiado por outros tantos (incluindo crentes). Quer uma Igreja pobre, com os pobres, o que deve causar uma confusão enorme a quem se habituou a ver a Igreja como mais um pilar de uma estrutura social de pântano e adormecimento.
O que tem tudo isto a ver com a evocação da Igreja na Alemanha e com o “apagão” da catedral de Colónia? Tem a ver com os silêncios gritantes de outras igrejas locais, com a imobilidade e com o que parece ser o receio de dizer o que é evidente. De que estamos à espera para tomar posição quando há racismo, discriminações, injustiças estruturais? “Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” não parece ser uma forma de dizer que a política (a vida em sociedade, porque é disso que se trata) não é para os cristãos. Talvez queira dizer que não se deve tratar o dinheiro como se fosse o que governa a vida, nem adormecer a consciência com uma fé que funciona como um instrumento de controlo social e moral.
No fundo, a pergunta poderia ser esta, muito simplesmente: de que têm medo algumas igrejas locais? Por outro lado, aqueles que invocam o cristianismo como um muro entre o “nós” e o “eles” a que cristianismo se referem? Que “parte” do cristianismo pode servir como estratégia para a sua ascensão? O 7MARGENS noticiou há poucas semanas uma reunião com 110 participantes, convidados por um instituto opositor do Papa.
Talvez não fosse má ideia as Igrejas locais contribuírem para um “apagão” das formas de discriminação que se tornam cada vez mais visíveis na Europa e às quais Portugal não está imune. Ou talvez fosse uma ideia adoptar campanhas capazes de dizer, claramente: “not in my name”. Não disse Jesus:” Seja, porém, o teu sim, sim! E o teu não, não!”?