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28-10-2018        Jornal de Notícias

O governo e a maioria parlamentar que o suporta precisam de um novo fôlego. Em grande medida a possibilidade de o país elevar o seu patamar de desenvolvimento na próxima década está dependente disso. Será tarefa difícil para cada força política envolvida, que necessariamente não quer perder identidade, representação e proposta; e acarreta responsabilidades particulares para o Partido Socialista (PS) e para o governo. Os problemas que estão por resolver devem ser abertamente reconhecidos e não empurrados com a barriga ou disfarçados com remendos.

Neste último ano da legislatura não poderá haver governantes, ou tecnocratas com posições relevantes, a comportarem-se como baratas tontas e focados no fim dos seus mandatos. Exige-se-lhes a demonstração de quanto foi útil para os portugueses e para o país a atual solução política, impõe-se-lhes maior rigor e todo o empenho numa ação que não secundarize o presente, mas prepare mudanças estratégicas.

Tal como os três orçamentos anteriores, o orçamento de 2019 é feito de pequenos passos melhorativos, num espaço constrangido pelos chamados compromissos europeus do PS. Tal opção foi importante e nela assentou grande parte da recuperação económica e da confiança dos portugueses nestes últimos anos. No entanto, do debate público do orçamento resultam também outras perceções. Em primeiro lugar, que os pequenos passos correm o risco de se traduzirem em movimentos desgarrados e não em componentes articulados de uma estratégia. Em segundo lugar, que há fortes omissões políticas, destacando-se no presente: i) na área do trabalho, a persistência do desequilíbrio de poder e de distribuição de rendimento entre capital e trabalho e o não aproveitamento de uma geração que se preparou bem e não tem tido oportunidades de trabalho digno; ii) na área da habitação, as hesitações nas alterações ao regime de arrendamento e à nova lei de bases; iii) na área da saúde, os impasses suspeitos quanto à nova lei de bases; iv) no ensino e na ciência, as indefinições e contradições que têm impedido o integral aproveitamento do potencial da Escola Pública, da Universidade e do Sistema Científico.

No futuro próximo, o espaço para os pequenos passos positivos no quadro dos “compromissos europeus” pode reduzir-se consideravelmente. Não é preciso ser dotado de visão de grande alcance para vislumbrar um abrandamento do crescimento económico à escala mundial, a que se pode somar a retirada dos estímulos do Banco Central Europeu e o surgimento de outros acontecimentos perturbadores. A governação que vem sendo feita no quadro dos constrangimentos da União Europeia torna-se, assim, no mínimo, mais difícil.

Põe-se então o problema de saber como se pode construir e aplicar um projeto político com ambição estratégica, que ambicione remover o lastro muito negativo herdado do chamado ajustamento, e corrigir erros de um passado mais longínquo.

Cinco pontos relevantes (entre outros) emergem como potenciais domínios de consenso. O primeiro, decorrente da experiência negativa da desvalorização interna, é a necessidade de revalorizar o trabalho, modernizar e qualificar a estrutura produtiva - apostar na qualidade do emprego, no aumento dos salários, na redução da precariedade, no incentivo ao investimento produtivo. O segundo, é o reforço e qualificação da Administração Pública valorizando os seus trabalhadores. O terceiro, assenta na recuperação da capacidade dos próprios serviços públicos, com destaque para o Serviço Nacional de Saúde, hoje limitado pela insuficiência de meios humanos e financeiramente muito débil, em parte pela subcontratação de serviços ao setor privado. O quarto, visando o desenvolvimento do território, reconstruindo capacidades produtivas e de criação de emprego, para que os territórios não se esvaiam de pessoas e qualificações. O quinto, consubstancia-se na concretização de programas de ensino e formação que aumentem o número de alunos do ensino secundário a transitar para o superior, e que tragam para a Escola adultos jovens que não fizeram formações suficientes.

Há onde ir buscar ideias e forças para um programa capaz de virar, de forma gradual mas consistente, a página do empobrecimento e do declínio.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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