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28-01-2018        Jornal de Notícias

Os dados sobre trabalho e emprego em Portugal, publicados esta semana pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social, vêm confirmar o diagnóstico já feito de que a atual recuperação económica se baseia bastante na generalização da precariedade e consequente degradação salarial, relevando também a forte descida do desemprego.

Os salários dos portugueses, em termos reais, estagnaram durante o período de crescimento económico. Se descontarmos o efeito do aumento do salário mínimo durante os últimos três anos – sem deixar de reconhecer a sua importância para centenas de milhares de portugueses – então podemos argumentar que os salários têm caído no seu valor real. Neste contexto, importa ainda colocar em evidência outro dado agora publicado na última revisão do Livro Verde das Relações Laborais: os trabalhadores cobertos por contratos coletivos de trabalho beneficiaram de aumentos salariais modestos mas, ainda assim, mais elevados em relação à média.

Se queremos mais e melhor emprego em 2018, estes últimos dados devem ser razão para profunda reflexão, já que têm implicações a diversos níveis. A primeira diz respeito ao atual crescimento económico e suas fontes. Se uma parte da recuperação vem das exportações, e se os nossos exportadores não baixaram o valor de oferta dos seus produtos, então qual a razão para prosseguirem práticas de desvalorização dos salários? Não é possível fixar no país os jovens qualificados, nem avançar para a criação de atividades de alto valor acrescentado e de indústrias modernas perpetuando políticas de baixos salários. Entretanto, se outra parte da recuperação pode, e deve, ser atribuída ao efeito da reposição de rendimentos no consumo interno, a estagnação salarial do sector privado é fonte de acrescida preocupação para um futuro próximo em que já não haverá reposições de rendimentos para os trabalhadores do sector público e pensionistas. É que, assim, este motor da recuperação corre o risco de gripar.
A segunda implicação encontra-se na importância da valorização do salário mínimo, não só por razões de dignidade no trabalho, mas também como importante instrumento de política de rendimentos e de melhoria do patamar de desenvolvimento da sociedade, que importa não abrandar no futuro.

A terceira implicação diz respeito à necessidade urgente de reforçar a contratação coletiva, nomeadamente adotando medidas que impeçam a caducidade unilateral dos contratos coletivos, fator que vem conduzindo a que só sejam viáveis novos contratos que consagrem a harmonização no retrocesso de condições de trabalho e de direitos. É universalmente reconhecido que a contratação coletiva foi, a par de sindicatos fortes, o mais importante instrumento de valorização salarial, de combate às desigualdades e de resposta a novas realidades e desafios no mundo do trabalho, na segunda metade do século XX.

No atual contexto de crescimento económico, onde já há muita gente a fazer muito dinheiro, por exemplo, no negócio imobiliário e em áreas de exportação, se o governo não intervier no reequilíbrio de poder entre trabalho e capital, o resultado será só um: um aumento crescente das desigualdades. Há quem à direita clame contra qualquer alteração na legislação do trabalho, acusando a esquerda de querer essa revisão por razões ideológicas. Será que as pessoas quererem viver melhor, em particular quando há condições para isso, é um preconceito ideológico? Não nos esqueçamos de que as alterações à legislação do trabalho, impostas em 2012, provocaram a transferência de rendimentos do fator trabalho para o fator capital de cerca de 3 mil milhões de euros por ano e uma transferência de poderes que deixou os trabalhadores em situação muito mais frágil. O governo e a Assembleia da República têm obrigação de impulsionar e respeitar a livre negociação entre patrões e sindicatos porque é essa negociação, da base ao topo, que pode modernizar as relações laborais e impulsionar dinâmicas positivas nas empresas Mas só haverá efetiva negociação com equilíbrio de poderes.

A nova etapa da governação não é um tempo de complacência, mas sim de visão estratégica, de mobilização de empresários e trabalhadores para mudanças qualitativas.
 


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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