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24-12-2017        Jornal de Notícias

O aumento do salário mínimo nacional (SMN) para 580 euros é uma boa e importante notícia para as centenas de milhares de trabalhadores que estão neste escalão de rendimento. A valorização deste mínimo legal é particularmente significativa no quadro de uma recuperação económica e do emprego muito baseada em trabalho precário e mal pago. Por outro lado, o processo expôs comportamentos patronais retrógrados, bem como défices nas instituições de diálogo e negociação.

O SMN está ainda bastante longe de um patamar que possibilite uma sociedade sem trabalhadores em situação de pobreza, contudo é de importância cimeira para quem chega com dificuldade ao final do mês. Abrangendo hoje mais de 700 mil trabalhadores, representa menos de 11% da massa salarial global do país, mas tem contribuído para a diminuição das desigualdades salariais e da pobreza, desde logo a pobreza infantil. Se não existisse um SMN com um mínimo de dignidade teríamos muito mais crianças pobres, já que a sua condição depende fundamentalmente dos rendimentos dos seus pais e famílias.

Fundamentalistas que reduzem todos os direitos a produtos de mercado e a economia ao funcionamento das curvas da oferta e da procura - as "cassandras" que gritavam contra a atualização do SMN porque provocaria perda de competitividade, empresas sufocadas e aumento do desemprego -, calam-se hoje perante a falácia dos seus argumentos.

Ao contrário do que aconteceu nos dois últimos anos, desta vez não houve acordo em sede da Comissão Permanente da Concertação Social (CPCS), facto que causaria perplexidade se fossem sérias as afirmações bondosas de certos patrões, quando dizem que também gostavam muito de poder pagar mais. Porque é que as confederações patronais - num momento que veem os excedentes brutos de exploração a crescer e há o consenso de que as empresas não devem persistir em políticas de baixos salários e trabalho pouco qualificado se queremos um Portugal desenvolvido - se recusam a contribuir para a dignidade mínima dos trabalhadores e ficam aparentemente a regatear migalhas? A resposta encontra-se em dois factos irrefutáveis: i) a esmagadora maioria dos patrões, mesmo que reconheçam justiça numa proposta vinda dos trabalhadores ou de um governo, se puderem pagar menos é por aí que vão, sendo por isso que o que os trabalhadores e os cidadãos têm hoje, de direitos e dignidade vindos do trabalho, nunca lhes foi oferecido; ii) utilizando a seu favor os enviesamentos do sistema de Concertação Social, as organizações patronais têm sustentado as suas posições numa visão em grande medida parasitária, sobre o que são as negociações entre trabalhadores, patrões e Estado na CPCS, confinando os processos a "trocas de presentes" com o Estado.

Na negociação deste ano, as confederações patronais queriam não só as benesses diretas vindas do Orçamento do Estado, como ainda que o Governo ficasse proibido de qualquer mexida na legislação laboral, sobrepondo escandalosamente o seu poder ao dos órgãos de soberania. A sua recusa do acordo é mau prenúncio para futuras negociações onde as contrapartidas orçamentais estejam ausentes; é sinal de que certos setores patronais retrógrados, embora reconheçam ganhos para a economia vindos do rumo imposto pelo atual Governo e pela maioria parlamentar que o suporta, não estão nada empenhados em modernizar o país e em melhorar a justiça social. A CPCS, já enfraquecida na sua legitimidade em resultado de instrumentalizações nacionais e europeias, corre o risco de esvaziar ainda mais o diálogo social e a negociação - em particular a negociação coletiva - cujo papel é incontornável na regulação das relações laborais.

Impõe-se ao Governo não esquecer a sua legitimidade política. Ele tem de negociar aberta e ofensivamente com todos e respeitar as posições da maioria parlamentar eleita que o sustenta. Só assim foi possível este modesto, mas significativo aumento do SMN, e a reforma do regime de contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores com recibos verdes. Só assim será possível dar vida e eficácia à negociação coletiva, para que não nos tornemos o país onde o salário mínimo é o salário nacional.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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