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27-08-2017        Jornal de Notícias

Vamos caminhando para o fim de um verão carregado de tragédias e ventos estiolantes. Diversificados descuidos humanos, a persistência em políticas centradas em objetivos de lucro ou ganhos políticos imediatos, o abandono de valores democráticos na organização da sociedade e do trabalho em contínuas cedências ao neoliberalismo, são as causas fundamentais do duro sofrimento que os povos (incluindo o português) experimentam neste delicado período histórico que vivemos.

Ao iniciarmos um novo ano de trabalho, há que buscar lufadas de ar fresco que reponham esperança e confiança no futuro. A discussão do Orçamento de Estado (OE) deve ser feita com esse objetivo, o que pressupõe uma identificação profunda entre o que se inscreve no OE e as políticas propostas para tratar dos problemas concretos das pessoas, das empresas e organizações, da sociedade no seu todo.

Há setores da economia que têm andado bem mas mostram défices que urge tratar. A ideia de o desenvolvimento do país poder assentar na monocultura do turismo e do imobiliário vem sendo demasiado tolerada e assenta muito no prosseguimento de políticas de baixos salários. Nas últimos meses, escutei, em várias zonas do continente e na Madeira, queixas de empresários sobre o "esgotamento da mão de obra disponível", designadamente no subsetor da restauração. Isto só é possível por duas razões: não existência de suficiente valorização do trabalho aí prestado e atraso na definição de novas estratégias empresariais, face às possibilidades do setor.

Portugal precisa de valorizar o setor industrial, importantíssimo para criar e qualificar emprego, favorecer a inovação, gerar riqueza. O debate sobre o OE deve cumprir esse objetivo. Mas, comentários enviesados sobre o processo de negociação laboral na Autoeuropa, tratando os trabalhadores como privilegiados e atribuindo-lhes, e às suas organizações, a responsabilidade por todos os problemas possíveis e imaginários que a empresa possa vir a ter, só ajudam a consolidar uma desastrosa matriz de relações de trabalho e de desenvolvimento. Quem quiser dar um contributo positivo, examine com rigor e não com pressupostos as posições dos trabalhadores e a ação da CT e dos sindicatos, proceda a uma análise objetiva sobre o novo "modelo de trabalho" que a administração implementará, observe práticas na organização e gestão do trabalho que possam estar a influenciar comportamentos, identifique e analise o instrumento de regulação de trabalho em que se ancora o modelo, confira se este podia ou não ser mais favorável à criação de emprego, exponha e interprete o contexto nacional e europeu em que é formulado.

A reposição de rendimentos a trabalhadores e reformados foi nos últimos dois anos, e terá de ser no próximo, opção sustentada no OE. Os bolsos e as condições de vida da esmagadora maioria continuam muito secos e a economia nacional pode beneficiar mais da dinamização da procura interna, desde que se corrijam conceções sobre o investimento e a poupança.

A redução dos impostos sobre o trabalho, nomeadamente o IRS, o aumento do SMN integrado numa política de valorização progressiva dos salários em geral, reacertos na legislação laboral que reanimem a contratação coletiva, diminuam a precariedade e reponham proteções essenciais aos trabalhadores, são aspetos essenciais para termos um país mais próspero e equilibrado.

O Orçamento deve garantir condições para a educação e a saúde e para outros serviços de utilidade pública. Não existirá uma economia diversificada e qualificada desprezando a atividade e a qualidade do serviço público. O necessário acréscimo de investimento será compensado pela criação de emprego e pela redução da emigração. Além disso, não é expectável que o investimento privado em geral se anime sem um forte impulso do investimento público. O país precisa ainda de infraestruturas estruturantes (e sua manutenção) e de uma nova ação pública que responda à dramática situação da floresta nacional e desenvolva respostas sistémicas ao aquecimento global.

O OE de 2018 não pode ser concebido para uma "navegação de cabotagem". Será importante que o debate em curso confirme não ser essa a opção do Governo em nenhuma área.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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