Um estudo desenvolvido pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, através do seu Observatório Permanente da Justiça, por solicitação da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que teve como objeto central a análise das condições socioprofissionais dos guardas prisionais em onze cadeias portugueses, deixa a prisão de Alcoentre - de onde fugiram dois reclusos esta segunda-feira, tendo sido recapturados 12 horas depois - numa posição pouco auspiciosa.
Segundo o estudo intitulado 'Para uma reforma do sistema prisional', com 324 guardas inquiridos, a crítica à insuficiente segurança e saúde dos guardas prisionais foi transversal em todos os estabelecimentos prisionais onde foi aplicado o questionário. Contudo, essa perceção negativa ultrapassou 80% dos inquiridos em cinco dos estabelecimentos prisionais: Alcoentre (com 82,6%), foi a terceira cadeia com mais respostas negativas, só atrás de Lisboa (93%) e Paços de Ferreira (84,6%).
Os guardas prisionais de Alcoentre são igualmente pessimistas em relação ao estado da cadeia onde trabalham, tendo 87% sublinhado a necessidade de "melhorias profundas nos edifícios" neste relatório publicado em 2022.
É também expressiva a percentagem de guardas prisionais que afirma ser alvo de agressões físicas por parte dos reclusos a desempenhar funções em alguns dos estabelecimentos prisionais de maior dimensão, destacando-se os casos de Alcoentre (17,4%), Coimbra (16,2%) e Porto (20,5%).
A maior percentagem de inquiridos que identificam a existência de momentos de elevado risco para a sua segurança ao longo do dia de trabalho desempenham funções em estabelecimentos prisionais de grau de complexidade de gestão elevado, de alta segurança e com elevado número de reclusos, como são os casos de Coimbra, Paços de Ferreira e Porto. No entanto, também nos estabelecimentos prisionais de Alcoentre, Beja, Funchal, Lisboa e Santa Cruz do Bispo, mais de metade dos inquiridos reconhecem a existência de momentos de risco durante o trabalho quotidiano.
Não se registaram grandes diferenças nas respostas no que diz respeito à realização profissional entre os guardas prisionais dos diferentes estabelecimentos prisionais, o que indicia que "o EP não é, em si mesmo, uma variável muito relevante". Contudo, os estabelecimentos prisionais onde os guardas assumem menor realização profissional são Alcoentre, Faro, Funchal e Lisboa.
Já a percentagem de guardas prisionais inquiridos neste relatório que apontam a desadequação do rácio entre a população prisional e o número de guardas é superior a 90% em cinco dos estabelecimentos prisionais: entre eles encontram-se Alcoentre, Beja, Lisboa, Paços de Ferreira e Porto.
Ao Expresso, Frederico Morais, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, revelou que entregou este estudo em setembro do ano passado na Assembleia da República, na primeira comissão de direitos, liberdades e garantias. "Pedi aos deputados para o aplicarem", disse ao Expresso.
Investigação interna dos serviços prisionais
A fuga dos dois reclusos de nacionalidade portuguesa, de 37 e 43 anos, aconteceu numa altura em que os guardas prisionais da cadeia de Alcoentre se encontravam em greve. Ainda falta apurar se a paralisação contribuiu para os dois homens se escaparem sem serem detetados. Os dois presos fugiram da Ala B, pela zona onde as torres de vigia estão desativadas devido à falta de guardas prisionais. Segundo a SIC, os reclusos terão subido o muro e descido com recurso a uma corda. Um dos fugitivos tinha sido transferido de Ponta Delgada, de onde já tinha tentado fugir.
A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais já anunciou a abertura de um inquérito interno para se apurarem responsabilidades: “Internamente irá proceder-se a um processo de averiguações a cargo do Serviço de Auditoria e Inspeção coordenado por magistrado do Ministério Público tendo em vista apurar as circunstâncias da ocorrência.”
E esta terça-feira, a ministra da Justiça explicou que a fuga de dois reclusos se deveu a uma "falha na vigilância", por falta de guardas na torre de vigia, no pátio e na monitorização das câmaras de segurança. "Do que conseguimos apurar existiu uma falha de vigilância. Confirmámos que não havia guarda na torre de vigia que tinha acesso e visibilidade para a zona da fuga, não havia nenhum guarda a seguir as câmaras de vigilância e não havia também nenhum guarda no pátio", disse Rita Alarcão Júdice.
As falhas aconteceram porque não havia "recursos disponíveis" no Estabelecimento Prisional de Alcoentre naquele momento. Segundo a ministra, há fatores que levam a essa situação, como a greve em curso às horas extraordinárias, "que teve um impacto direto" na fuga, além de que há naquele estabelecimento 30 guardas de baixa médica.
Drones para apanhar os reclusos
Na operação de caça aos homens, o dispositivo da GNR contou com o apoio dos drones para tentar mapear rapidamente a área em redor daquela prisão. E, no terreno, foram percebendo que os reclusos tinham fugido a pé e não de carro.
O avanço na missão de captura deu-se na madrugada desta terça-feira, com o alerta de uma mulher da aldeia de Espinheira, que afirmou ter visto "dois homens vestidos de preto na rua às 3 da manhã".
A equipa constituída por mais de uma dezena de militares pôde delimitar melhor o perímetro das buscas com esta nova informação. Perto das 5 da manhã, dois operacionais da GNR conseguiram uma nova pista importante, detetando pegadas em terra batida perto de um barracão abandonado na mesma localidade.
O barracão estava vazio mas a investigação apercebeu-se de novas pistas frescas: pingos de água recente de uma fonte situada nas imediações do local. Não havia, no entanto, outros vestígios como comida ou roupa.
Os momentos seguintes foram decisivos: às 6h40, a GNR detetou novas pegadas que permitiram detetar os dois homens no cruzamento de São Salvador, na Espinheira, entre a Estrada Nacional 1 com o IC2, a 5 quilómetros da prisão onde tinham fugido. "A estrada estava vedada pela Guarda. Eles não tinham escapatória e acabaram por se entregar sem oferecerem resistência."
Autoria; Hugo Franco / Expresso