Neste seminário, discuto o fenômeno popularmente conhecido no Brasil como “linguagem neutra”, uma estratégia linguística proposta e disseminada por pessoas não-binárias cujo intuito é questionar a organização binária da ordem de gênero. Entretanto, o discurso do senso comum, da mídia, do campo político conservador e até mesmo de certas áreas da ciência linguística brasileira perpetuam caricaturas e estereótipos sobre este fenômeno (e sobre a comunidade a que é vinculado), pois partem da ideia errônea de que se trataria de uma tentativa estranha à língua de acrescentar um “terceiro gênero” gramatical no português brasileiro. Este entendimento, em grande medida, se deve à invisibilização de pessoas não-binárias tanto do debate público quanto acadêmico. Com base em uma etnografia multissituada e um corpus composto por dados de redes sociais, trabalho de campo em um coletivo LGBTQ+ e entrevistas com pessoas não-binárias, argumento empiricamente que a “linguagem neutra” apresenta desafios muito mais ousados do que simplesmente adicionar novas formas no sistema linguístico. Para tanto, o seminário terá três partes distintas que se complementam. A primeira parte se concentrará em definições e conceitos centrais para o debate sobre ativismo linguístico e inclusão pela linguagem. A segunda parte traça uma breve genealogia de tentativas politizadas para fazer com que o sistema linguístico seja mais inclusivo. Na terceira e última parte, pretende-se, com dados empíricos de pesquisas sobre fenômenos aparentados em inglês, espanhol e português brasileiro, dissipar desentendimentos sobre a “linguagem neutra” e a não-binaridade de gênero, comumente utilizados pelo campo conservador para provocar pânicos morais na população sobre uma pretensa destruição da família e da nação.