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01-05-2014        Visão

No passado dia 11 de Abril presidi em Quito (Equador) ao Tribunal Ético sobre o Parque Nacional amazónico Yasuni. Tratou-se de uma sessão especial do Tribunal Permanente dos Direitos da Natureza, constituído na tradição dos tribunais de opinião pública internacional de que os grandes inspiradores são o Tribunal (Bertrand) Russell e o seu sucessor, o Tribunal Permanente dos Povos. Estes tribunais foram criados para denunciar perante a opinião pública mundial graves violações dos direitos humanos que os tribunais nacionais e internacionais se revelam incapazes de condenar.

Yasuni é considerado uma das regiões do planeta mais ricas em biodiversidade e onde vivem vários povos indígenas, alguns dos quais em isolamento (não-contacto) voluntário. Ao longo da primeira década do milénio, foi germinando no movimento ecologista equatoriano a ideia de que deveria ser proibida a exploração de petróleo no Yasuni. Em 2007, o Presidente do Equador, Rafael Correa, assumiu como sua esta proposta e acrescentou-lhe uma condição que a transformaria numa das mais inovadoras formas de cooperação internacional: o Equador comprometia-se a não explorar o petróleo do Yasuni se a comunidade internacional ressarcisse o país de metade dos rendimentos que teriam resultado da exploração. Esta proposta surpreendeu o mundo pelo seu carácter inovador: perante a crescente ameaça do aquecimento global, esta proposta ia muito além do Protocolo de Kioto e dos mercados de carbono, e apontava para um novo paradigma energético menos dependente dos combustíveis fosseis, os grandes responsáveis do efeito estufa; por outro lado, a proposta mostrava que a luta contra as mudanças climáticas é um problema novo que exige um outro tipo de cooperação internacional, na qual deve ser contabilizada a dívida ecológica dos países mais desenvolvidos.

Em Agosto de 2013, Rafael Correa anunciou o cancelamento da proposta, invocando a falta de resposta favorável da comunidade internacional. A verdade é bem mais complexa. Ao longo de vários anos, o Presidente atuou de maneira incoerente e contraditória, ora distanciando-se da proposta ora revelando estar já em curso o chamado Plano B, ou seja, a exploração do petróleo no Yasuni. Com isto, a proposta, enquanto proposta de Estado, foi sendo descredibilizada, mas curiosamente continuou a captar a imaginação dos movimentos da sociedade civil, não só no Equador, como em muitos outros países. Assim se foi cunhando o termo yasunizar para designar a luta pela não exploração de petróleo em zonas sensíveis, tais como as ilhas Lofoten na Noruega, San Andrés y Providência na Colômbia, Lanzarote nas Ilhas Canárias e no Madidi na Bolivia. Entretanto, surgiu no Equador um novo movimento de jovens, auto-intitulados Yasunidos, que tem vindo a promover a recolha de assinaturas para uma consulta popular sobre a exploração do petróleo no Yasuni. Recolheram mais de 270.000 assinaturas. A verificação das assinaturas por parte do Conselho Nacional Eleitoral está a ser polémica pelos critérios estritos utilizados para validar as assinaturas.

Foi neste contexto que se realizou o Tribunal Ético sobre o Yasuni. Como é usual em tribunais deste tipo, foram convidados a depor representantes do governo que, também como é usual, se recusaram a participar. Depois das alegações iniciais do procurador, um professor da Faculdade de Direito da Universidade Andina Simão Bolivar, foram ouvidos vários depoimentos de especialistas em biologia, botânica, geologia, engenharia de petróleos, flora e fauna amazónica, Além disso, foram ouvidos os depoimentos de duas mulheres indígenas, representantes dos povos contactados que vivem no Yasuni. Considerando a urgência em iniciar uma transição energética que permita superar a fase dos combustíveis fosseis cujos limites biofísicos estão à vista; considerando que não existe nenhuma tecnologia que elimine os riscos para as comunidades indígenas não contactadas ou garanta que não se produzam derrames e contaminação de águas, o tribunal decidiu propor ao governo a não exploração, iniciar uma campanha internacional em defesa do Yasuni e criar um observatório permanente com o objetivo de acompanhar o desenrolar do processo Yasuni.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos



 
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