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26-04-2014        Jornal de Notícias

O golpe militar do 25 de Abril de 1974, que rapidamente se transformou num ato revolucionário de enorme significado, e que havia de catapultar o país para um dos períodos de maiores mudanças e transformação social da sua história, exigiu dos Capitães de Abril muita coragem e discernimento. Os perigos e os desafios a vencer foram bem difíceis. O facto de a revolução ter decorrido de forma exemplar conduz a que, por vezes, o relato de armadilhas e contradições nos induza em simplificação excessiva do que se viveu.

O 25 de Abril de 1974 foi, sem dúvida, como escreveu Sofia, “o dia inicial inteiro e limpo/ onde emergimos da noite e do silêncio/ e livres habitamos a substância do tempo”. Mas para que fosse limpo e inteiro os Capitães, numa liderança muito bem construída coletivamente, tiveram de gerir e resolver tensões, posições contraditórias e até ambições de alguns que, se tivessem vingado, lhe teriam retirado inteireza e limpidez. Eram múltiplas as diferenças de posições, e algumas bem profundas, quanto aos passos a dar, aos objetivos a atingir e ao percurso a fazer a partir daí.

O “não” ao regime fascista gerava convergência ampla, mas no referente à necessidade e ao alcance da desarticulação desse regime, as perspetivas já se diferenciavam de forma muito visível. O mesmo acontecia quanto ao fim da guerra colonial ou ao processo de descolonização; aos caminhos a seguir para colocar Portugal no tempo e no espaço da democracia e do progresso que se referenciavam na Europa e no mundo; aos desafios sociais, económicos, políticos e culturais que era preciso adotar; ou, ainda, no que dizia respeito às tarefas inerentes à construção de um Estado moderno: um Estado Social Democrático de Direito.

As alternativas, ou seja, os caminhos de futuro a construir – pois estes são sempre o resultado da busca incessante de alternativas – não eram nada fáceis. A última semana de Abril e as semanas de Maio consolidaram bases e propiciaram já avanços de um extraordinário processo revolucionário. Nesse tempo havia, como há hoje, medos do desconhecido e quem afirmasse que as pessoas não estavam preparadas para a Democracia ou para aguentar os impactos das ruturas que iam inevitavelmente surgir. Spínola, por exemplo, começou por considerar que o feriado do 1º de Maio podia ser perigoso pela dinâmica das massas na rua.

O excecional contributo dos Militares de Abril foi, em primeiro lugar, terem imposto aos portugueses e portuguesas, ao país, o sobressalto da necessidade imperiosa de encontrar respostas. Depois, esse contributo prosseguiu na direção do processo, para articular de forma dinâmica vários fatores.

Havia na sociedade portuguesa um longo, profundo e valioso trabalho político da oposição democrática, incorporado e complementado por um muito relevante e profícuo trabalho sindical, por dinâmicas sociais e por fortíssima ação cultural de marca progressista e democrática que o Movimento das Forças Armadas (MFA) valorizou e impulsionou, criando, assim, bases para uma participação cívica e política, marcadamente pluralista, de enorme riqueza. Todo esse trabalho da oposição assentava em bases programáticas sólidas e, por outro lado, o MFA tinha um programa maturado. Isto gerou convergências e imbricações importantes em componentes estruturantes do rumo político que foi sendo traçado.

O povo compreendeu e assumiu que o país estava em situação de emergência, não teve medo do improviso – o MFA em muitos casos deu o exemplo na busca de respostas novas – e isso propiciou que brotassem, com toda a naturalidade, novos atores sociais e políticos, novas lideranças em todas as áreas da sociedade portuguesa.

Observemos que o que está agora a tentar impor-se pelos poderes dominantes e pelos governantes que temos não é nenhuma interpretação de caminhos de Abril, mas sim a retoma do que em Abril foi derrotado. Há que convergir em propostas e ação capazes de criar um novo sobressalto, de trazer à consciência coletiva a noção de que a situação é de emergência.

Sem medos, em Maio, é preciso derrubar aqueles que jamais nos abrirão caminhos de futuro. O atual governo e os poderes instalados têm de ser derrotados.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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