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25-04-2014        Diário de Notícias

Para o FMI, o 25 de abril foi uma pieguice. Para o Governo que lhe segue o pensamento e lhe cumpre as ordens também. Claro, como disse Durão Barroso, antes do 25 de abril “havia umas liberdades cortadas”. Mas os mercados viam-nos como um bom sítio para investir, com estabilidade política garantida e sem necessidade de vistos gold nem nada. Enfim, vá lá, era demais não haver liberdades básicas. Isso está bem. Mas já se sabe, quando uma coisa começa nunca se sabe como é que acaba, ganharam a liberdade quiseram logo a igualdade e toca de fingir que éramos ricos e que podíamos ter direitos como os outros, à saúde, à educação, às reformas. E quem é que paga, anh? Sim, quem é que paga?

Quarenta anos depois do 25 de abril, o FMI vem a Lisboa dizer que nem pensar em novas pieguices. Que nem pensar em repor direitos ou em sonhar com menos impostos ou melhores salários e reformas. Ai do governo que ouse voltar atrás no caminho feito nos últimos anos. Aliás, para o FMI, ao fim de três anos de austeridade a rodos o que temos ainda é uma pieguice. Porque a redução dos custos do trabalho obtida nestes três últimos anos se ficou a dever à destruição de emprego resultante da recessão e não à redução de salários. Pieguice, portanto. Se queremos uma economia com saúde e a criar emprego há que reduzir salários como deve ser, diz Lagarde. Os portugueses ganham demais quando trabalham e ganham demais quando são despedidos. E o que custa despedi-los, ui!

O FMI, quarenta anos depois do 25 de abril, veio a Lisboa dizer que chega dessa utopia dos direitos e que se queremos ser um país a sério temos que deixar de pensar como há quarenta anos atrás. Isso é passado e a competitividade não se compadece com lirismos. Justiça seja feita ao FMI e ao Governo que zelosamente o serve: trazem-nos desta forma ao debate essencial que importa fazer quatro décadas volvidas sobre o 25 de abril. Esse debate é sobre a intensidade da transformação democrática exigida por uma sociedade como a nossa. É pois um debate que nos faz avaliar o trajeto feito por Portugal nestes quarenta anos. E nele confrontam-se duas posições. Para o FMI e o seu governo os traços de democracia social e económica foram um excesso e têm que ser expurgados porque o possível impera sobre o desejável. Do outro lado do debate estão os que defendem que o possível é sempre definido por alguém e para algum propósito e que não há possíveis neutros. O possível do FMI e do seu governo é apenas isso: o possível deles. E o possível deles é indesejável para uma sociedade com dois milhões de pobres, com traços de autoritarismo profundos e com uma cultura de discriminação ancestral. Num país assim, a democracia ou é económica e social ou não é política.

Este debate, sendo sobre o passado, é necessariamente sobre o futuro. O FMI e o seu governo querem que avaliemos negativamente o caminho de conquista de direitos feito nestes quarenta anos porque querem que dessa avaliação resulte o compromisso de termos quarenta anos futuros de retração nos direitos e nos seus mecanismos de garantia. E repetirão até mais não que tem que ser assim, que não há outro remédio, que o país é pobre e que tem que se convencer disso. Do outro lado do debate estão os que olham para os quarenta anos percorridos e se sentem a meio do caminho. E que, com a mesma ambição com que há quarenta anos se imaginou um futuro mobilizador para todos, imaginam agora as ruturas exigidas por um novo futuro de mais democracia e não de menos.

Há que agradecer ao FMI e ao seu governo: graças a eles, fica definitivamente claro que o debate que a oposição essencial que está diante de nós, quarenta anos depois da rutura utópica que foi o 25 de abril, é entre uma velha utopia negativa ou uma nova utopia de esperança.


 
 
pessoas
José Manuel Pureza



 
temas
austeridade    salários    FMI    reformas