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31-01-2014        Diário de Notícias

A pluralidade da esquerda não é um defeito. A diversidade da esquerda é um bem. Ela exprime trajetórias, entendimentos do mundo, culturas políticas e propostas diferentes. Por isso, reduzir caricaturalmente essas diferenças à defesa umbiguista do quintal não é sério. Primeiro porque assim se desconsidera a riqueza da pluralidade e depois porque quem o faz reclama invariavelmente para si as virtudes imaculadas do desinteresse que mais não é do que o celofane de uma agenda de disputa de hegemonia política. A tensão entre unidade e pluralidade da esquerda não é uma questão de anjos contra demónios.

O bulldozer da austeridade exige hoje esforços redobrados de convergência das esquerdas. E, tragicamente, o que está diante dos nossos olhos – na Alemanha, em França, na Grécia ou em Portugal – mostra que não se pode contar com os partidos da social-democracia para esse enfrentamento. Engana-se quem crê que uma pressão credível à esquerda faria infletir esses partidos, receosos da perda de eleitorado, para uma governação de combate contra as troikas e em defesa dos direitos e dos serviços públicos. Que não o tenham feito quando a relação de forças favorecia um tal compromisso diz tudo sobre o que podemos esperar.

É neste quadro que a luta contra a austeridade tanto ganhará força com uma convergência de proposta como a perderá com um equívoco. Uma convergência baseada em equívocos seria o pior serviço prestado à unidade necessária. Nem o desespero – tão genuíno como instrumentalizável para dar cobertura a agendas próprias – desculparia a cedência a equívocos. Ora, equívoco seria organizar uma candidatura às europeias de que resultassem eleitos que depois se inseririam em famílias políticas diferentes com posições diferentes no essencial. Equívoco seria fingir unidade entre quem acha que este é o tempo de desobedecer a uma Europa que só serve para nos punir e quem acha que mais esvaziamento das autonomias dos Estados é a solução. Somar forças é imperativo diante do rolo compressor da austeridade sem fim. Mas iludir os eleitores sobre um programa, a pretexto de uma unidade aritmética que permita uma eleição associada a um inaceitável “e depois logo se vê”, seria pior emenda que o soneto.

Os equívocos desfazem-se começando por respeitar integralmente os percursos feitos e os seus adquiridos. Os que fazem a história de cada esquerda tanto quanto os que levaram à Aula Magna, ao Congresso Democrático das Alternativas e sobretudo às contestações gigantescas nas ruas e praças. Mais que tudo, os equívocos combatem-se juntando vozes e forças à volta de um programa claro que mostre como resgatar a democracia e a autodeterminação e que diga que para isso é preciso pôr a renegociação da dívida no centro de tudo e revogar o pacto orçamental europeu. Só um acordo programático assim poderá ser o alicerce sólido do edifício da convergência destas esquerdas para responder às necessidades de alternativa política para Portugal. A apresentação dessa proposta pelo Bloco de Esquerda aos promotores do Manifesto 3D, concretizável sob a forma que melhor respeitasse as decisões desse importante coletivo sobre a sua configuração política, abre caminho para esse passo que falta dar. Vale a certeza de que só esse passo só será dado e só vingará se não for o resultado de ultimatos nem da cedência ao desespero mas da coragem de afirmar em conjunto uma proposta de rutura com esta política e com qualquer forma de rotativismo. Que ele não tenha sido dado agora não apaga a expetativa de que se possa dar proximamente.


 
 
pessoas
José Manuel Pureza



 
temas
austeridade    política    esquerda