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04-01-2014        Jornal de Notícias

A mensagem de Ano Novo do Presidente da República (PR), interpretada por analistas diversos como uma intervenção com “ausência de novidades”, “previsível” e até catalogada de “discurso humilde”, constitui uma das intervenções mais conservadoras que o PR produziu até hoje e é, sem dúvida, um fortíssimo empurrão para o conformismo dos portugueses.

As suas aparentes fragilidades na interpretação da democracia são amputações objetivamente ideológicas e o “terreno” está propício à penetração deste tipo de mensagens.

A afirmação de que “a questão é nacional, não é partidária” podia ter sido feita no Estado Novo por qualquer dirigente da União Nacional, e continua a servir os mesmos interesses que nessa altura. Dizer que o 25 de Abril “trouxe aos Portugueses a democracia e a liberdade”, mas apenas “uma promessa de desenvolvimento e justiça social” é ignorar a extraordinária transformação social, económica, cultural e política que nos propiciou grandes avanços nos principais indicadores de desenvolvimento humano e nas diversas vertentes da igualdade, do progresso e justiça sociais. Mas, a violência de políticas atuais tolda a muitos portugueses a perceção das mudanças, logo, esta mensagem entra como pão em manteiga derretida deixando ainda mais frágil a defesa da democracia e da liberdade.

No seu discurso o PR borrifa-se para o Estado de Direito Democrático. Por isso nada disse sobre o Orçamento de Estado, ou sobre a distribuição da riqueza, e fez uma caricatura dos conceitos de liberdade e de cidadania, insinuando que os portugueses, na generalidade, só têm tido “redução dos padrões de bem-estar”. Toda a sua reflexão é centrada na garantia de Portugal agradar aos credores e aos mercados, associando aí o conceito de interesse nacional e, por decorrência, toda a ação política que ele idealiza para o seu “compromisso de salvação nacional”. Credibilizou as desastrosas políticas que o governo e a troica têm imposto, deixando a ilusão de que nos podemos safar por entre os pingos da chuva, que há soluções fugindo da vida real e não encarando os problemas.

O homem que “na altura devida”, ou seja, em finais de 2010, início de 2011, classificou as condições em que o país vivia como de “situação explosiva”, afinal age ideologicamente, pois nada faz contra a implosão do país e não assume que o perigo e a dimensão da explosão possível não são hoje menores.

Em 2011, o PR devia ter agido de forma a proteger o país, ter sabido gerir a crise política e responsabilizado, num quadro sério, todas as forças políticas; não devia ter ajudado à construção de um cenário que permitiu à direita fazer uma campanha eleitoral mentirosa; jamais devia ter apoiado a chantagem das agências de rating e outros especuladores, nem as operações de transformação de roubos privados em dívidas do Estado, nem feito coro com os que apresentaram a troica como a entidade séria que ia trazer justiça, rigor e salvar Portugal.

Um país que está a perder uma geração preparada e qualificada com o esforço do Estado Social e das famílias; um país que tem hoje a segunda mais baixa taxa de natalidade do Mundo e não perspetiva recompor-se pela imigração; um país com perda de direitos sociais, de retribuição e valor do trabalho, com forte empobrecimento, aumento brutal do desemprego e das desigualdades e com destruição de estruturas da economia e do Estado; um país com a sua soberania comprometida não inicia um processo de recuperação com umas mezinhas de crescimento económico, uns pozinhos de caridade e um “programa cautelar”. Fazer esta leitura é ato de hipocrisia política.

O PR fez um discurso Marcelista. Da mesma forma que Marcelo não conseguia imaginar um Portugal próspero sem colónias e sem limitações às liberdades, Cavaco Silva não é capaz de imaginar futuro para o país que não seja o da obediência aos “mercados”, do seguidismo das políticas desastrosas da União Europeia, das imposições do capitalismo neoliberal, de jogos de “oportunidades” e favores que enriquecem uns quantos espertos à custa da pobreza coletiva.

O PR não vislumbra um futuro sem a amputação dos direitos sociais e de cidadania. Por um Bom 2014, não nos conformemos!


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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