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22-12-2013        Público [Revista 2]

Lembro-me perfeitamente de subir a Rua da Boavista em direcção ao mítico Bairro da Bouça, no Porto. Foi na semana passada. Cheguei ao Porto há muitos anos. Nunca pensei sair daqui como não pensei chegar cá. Fui chegando; fui saindo.

Cada dia que passa admiro mais o sotaque que me parece cada vez mais distinto, como se houvesse uma conspiração para me seduzir. Primeiro era a admirável Estação de S. Bento, e o comboio que me levava pelo Rio Douro; agora parto da tétrica estação de Gaia, um ponto a favor dos que não acreditam no progresso. Agora com as malas feitas, vejo como todos os lugares-comuns sobre o Porto são verdadeiros, e neles quase consegui tocar; particularmente, a honestidade dura mas elegante que se ouve em Sobrinho Simões, Daniel Bessa, Alexandre Quintanilha, Alexandre Alves Costa. Mesmo com estas veleidades, no Porto confundem-me com um futebolista famoso e agradecem-me na rua; o que sendo o Porto uma cidade do futebol é lisonjeiro, embora não me calhe muito bem. Tirei pouco partido dessa parecença.

Vi o edifício da Faculdade de Arquitectura crescer, do jardim da escola, enquanto estudante; e a Casa da Música, do atelier na Rua 15 de Novembro, enquanto arquitecto. Serralves é a Piscina das Marés do nosso tempo; o Metro do Porto é a Avenida da Boavista do século XXI. Da Casa das Artes, de Eduardo Souto de Moura, até à Casa da Música, de Rem Koolhaas, podemos resumir a arquitectura contemporânea: a pedra que faz a terra; o “meteorito” que cai do céu. Os extremos tocam-se, é claro.São 30 anos que significam muito tempo, o século XX acelerado e compactado.
Há 30 anos não havia turistas no Porto, nem gente de cor, nem pessoas no Café Ceuta, que era demasiado grande para o nosso pequeno grupo e cuja redenção parecia impossível. Mas as cidades mudam, às vezes imprevistamente.

Lembro-me então perfeitamente de subir a Rua da Boavista e de pensar como era inesquecível  subir a Rua da Boavista; em direcção à Bouça, um monumento funcional da arquitectura e da história portuguesa pós-25 de Abril. A Bouça é um siedlungen contextualista, cruzando experiências heróicas dos anos 1920 com o desejo reformista de “fazer cidade” dos anos 1970, a partir da mão que desenha. Como se fosse possível. Será Álvaro Siza o último moderno ou o primeiro pós-moderno?

Não me interessa que esteja no meio. Por um momento esqueci o gosto do Porto em deixar de fora os que são de fora. Estou na Bouça. Atravesso o pátio-jardim e entro na última porta, na Circo de Ideias, onde a Joana Couceiro e o Pedro Baía me recebem, “jovens” arquitectos, alunos e amigos, com um trabalho notável. A conversa é boa; as gerações fluem; é tempo de ir embora. A honestidade dura e elegante. Saio pela última porta, para o Porto dentro de infinitos momentos.


 
 
pessoas
Jorge Figueira



 
temas
bouça    arquitetura    porto